Por André Damiani*
Artigo publicado originalmente no LexLatin
O artigo 142 da Constituição Federal não permite que as Forças Armadas façam qualquer tipo de intervenção quanto ao fechamento do Congresso ou do STF, sob o pretexto de se “restabelecer a ordem no Brasil” (como afirmou o presidente Jair Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril).
A Constituição brasileira não dá respaldo a qualquer ação desse tipo, sendo que a eventual tomada do poder pelos militares, ainda que temporariamente, representaria um golpe de Estado.
Noutra direção, referido artigo explicita a função primordial das Forças Armadas, destinada à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Da leitura, surge a hipótese de atuação regular das Forças Armadas, por exemplo, nas conhecidas “ações de garantia da lei e da ordem” (GLOs), desde que autorizada por lei complementar específica, submetida à aprovação de maioria absoluta do Senado e da Câmara dos Deputados (conforme descrito nos artigos 69 e 142, inciso I, da Constituição Federal).
Nesse particular, veja-se a legítima intervenção havida na segurança pública do Rio de Janeiro, ocorrida no final do governo Temer.
Iluminando o debate, parecer do Conselho Federal da OAB esclarece que “não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”.
Cogitar que as Forças Armadas, ainda que inseridas ocasionalmente na estrutura do poder Executivo sob o comando do presidente da República, poderiam intervir legalmente nos poderes Legislativo e Judiciário, é sustentar o absurdo de que, no limite, todo e qualquer conflito entre poderes estaria subordinado ao julgamento final do presidente da República.
Distanciando-se do mito, o texto constitucional estabelece mecanismos de freios e contrapesos para a solução de conflitos; tudo em harmonia com a separação de poderes. Aliás, o art. 5, inciso XLIV, previne o processo de autodestruição constitucional, na medida em que proclama: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Golpista, portanto, a eventual utilização do aparato militar para intervir no exercício independente dos poderes da República. Afinal, o único agente público que pode desfrutar do poder, sem qualquer moderação, é o povo!
*André Damiani, sócio fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados, é criminalista especializado em Direito Penal Econômico.