Opinião

Considerações sobre a criação do Centro de Inteligência do Poder Judiciário

Órgão foi criado pelo CNJ no último dia 23 de outubro

9 de novembro de 2020

Por Caio Montano Brutton*

Artigo publicado originalmente no Estadão

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou no último dia 23 de outubro a Resolução nº. 349, que instituiu o Centro de Inteligência do Poder Judiciário – CIPJ.

Basicamente, a resolução cria um núcleo de monitoramento que deve atuar fortemente no mapeamento e na elaboração de soluções que propiciem melhor funcionamento do Judiciário, enquanto poder responsável pela administração e distribuição de justiça.

Composto por juízes, desembargadores presidentes de tribunais estaduais e federais, das justiças comum e trabalhista, e ministros dos tribunais superiores, além de serventuários lotados em posições estratégicas, o CIPJ terá pela frente árduo desafio no enfrentamento dos problemas que há tempos impactam na capacidade do Judiciário em entregar à sociedade a devida e satisfatória prestação jurisdicional. O assoberbamento dos tribunais, e a consequente demora na resolução do processo, talvez sejam os maiores destes problemas.

Para tentar estancar estas dificuldades históricas, o CIPJ terá como objetivo maior a identificação e a proposição de tratamento às demandas estratégicas ou repetitivas e de massa, que hoje aguardam julgamento no Poder Judiciário. A meta aqui é traçar planos para estancar o ininterrupto fluxo de judicialização de conflitos que poderiam ser tratados de forma mais célere e satisfatória, e menos onerosa para todos os envolvidos.

As demandas repetitivas e de massa são processos que possuem o mesmo objeto e a mesma razão de ajuizamento. Muito comuns na esfera dos direitos das relações de consumo, afetam uma grande quantidade de indivíduos. O impacto destas ações no sistema judiciário brasileiro é relevante, seja porque seu volume assoberba as varas país afora, causando demora no julgamento de todos os processos, seja porque o julgamento destas ações pelos Tribunais superiores traz uma homogeneização de decisões no mesmo sentido, dado o sistema vertical instituído pela legislação processual brasileira, através dos incidentes de resolução de demandas repetitivas ou afetação de processos ao regime de julgamento dos recursos repetitivos ou de recursos extraordinários com repercussão geral, no STF.

A expectativa é que o CIPJ crie mecanismos para prevenir o ajuizamento destas ações, a partir da identificação e estudo das causas geradoras destes litígios, e o posterior encaminhamento destes conflitos, tanto quanto possível, para formas de auto composição ou resolução extrajudiciais.

O CIPJ também deverá municiar o CNJ com estudos a respeito da uniformização de procedimentos cartorários e outros fluxos de trabalho que são diversos nos tribunais estaduais do país, dando mais assertividade e segurança no trabalho de todos os operadores do direito, para quiçá unificar o modus operandi da Justiça, sobretudo no que se refere ao tratamento das demandas repetitivas e de massa, tendo como resultado mais segurança jurídica.

A resolução que instituiu o CIPJ também prevê que este órgão abasteça os tribunais superiores com “informações sobre a repercussão econômica, política, social ou jurídica de questões legais ou constitucionais que se repetem em processos judiciais”. Na prática, esse olhar tem o condão de diminuir a eventual disparidade entre a idealização teórica — e por vezes utópica do legislador —, a interpretação da lei pelo magistrado e os reflexos práticos de determinado dispositivo legal na coletividade.

O CIPJ traz ainda em sua gênese a intenção de manter uma interlocução com todos os outros órgãos de inteligência do Poder Judiciário, o estabelecimento de critérios mais elaborados para a classificação das demandas repetitivas e de massa, a articulação de politicas de conciliação e mediação, sempre com foco no estudo dos litigantes e fatos que desencadeiam grande volume de ações, o que traz reflexos relevantes na entrega da atividade judicante.

Em suma, o Centro de Inteligência do Poder Judiciário parece ter nascido a partir da ideia e da necessidade de dar à atividade jurisdicional o devido alinhamento e austeridade que deveriam inexoravelmente acompanhar a administração e distribuição da justiça. Afinal, se todo processo judicial tem como corolário o princípio constitucional do aceso à justiça, insculpido no inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna — que garante que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” —, é preciso também criar e assegurar mecanismos para que esta mesma lide possa merecer o destino que o inciso LXXVIII, do mesmo artigo 5º lhe reserva, qual seja, o de garantir que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Neste sentido, vale apenas a ressalva de que a resolução que cria o CIPJ não contemple a participação da advocacia e do Ministério Público, operadores do Direito que têm participação vital na distribuição de justiça, e possuem uma visão única e complementar à dos membros do judiciário. O esforço aqui deveria ser de todos os envolvidos. Afinal, é preciso tirar o véu dos olhos da justiça para se olhar para a multiplicação dos conflitos repetitivos e seus reflexos na atuação do Judiciário, para a cultura excessiva de judicialização, e para a eficiência que deve acompanhar o serviço público em todos os seus atos, a teor do que prevê a Constituição em seu artigo 37.

*Caio Montano Brutton, especialista em Direito das Relações de Consumo e sócio responsável pela condução das ações estratégicas do Fragata e Antunes Advogados

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