Por Marcelo Fattori*
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), lei 13.709/18, foi sancionada em 2018, mas entrou em vigência apenas em agosto de 2020. Foram quase 19 meses desde a promulgação da legislação até o advento da pandemia no Brasil há dois anos; ou seja, já teria havido tempo suficiente para todas as empresas avançarem em seus projetos de adequação. Da mesma forma, a mobilização do poder público, de modo a transparecer aos cidadãos os direitos e deveres que cercam o tema, também poderia estar em um curso avançado. Infelizmente, todos esses setores ainda têm um longo caminho a percorrer nesse sentido.
Primeiramente, é importante ressaltar que grande parte desse cenário se deve ao fato da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) não estar devidamente montada e equipada com pessoas, tecnologia e recursos para realizar a conscientização da população sobre dados pessoais. Com a transformação da instituição em uma autarquia especial da Administração Federal, a sua atuação tende a ser mais efetiva, pois deixa de ser um órgão ligado à presidência. Assim, é uma mudança que garante independência e autonomia financeira, decisória e estrutural aos seus agentes.
Além disso, uma série de movimentações no Congresso Nacional destinadas a enrijecer a LGPD foram realizadas este ano: em fevereiro, foi promulgada a Emenda Constitucional 115, que inclui a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, além de atribuir à União a competência privativa para legislar sobre proteção e tratamento do tópico; já em agosto, entraram em vigor os artigos 52, 53 e 54 da legislação, que tratam das multas e sanções administrativas que a ANPD pode aplicar a órgãos públicos e empresas se infringirem essas regras.
Portanto, a discussão sobre a importância dessa demanda regulatória está em alta há alguns meses, tornando essencial a presença de diversos setores da sociedade no debate, especialmente do mercado. A grande maioria dos empresários ainda não compreendeu que atuando no modelo como hoje coletam, usam, armazenam, compartilham e eliminam os dados pessoais, as marcas não sobreviverão por muito tempo. Parte disso se deve à escolha seletiva dos próprios cidadãos, que serão cada vez mais conscientizados sobre seus direitos acerca do assunto.
Nesse sentido, o ponto de partida crucial de entendimento e adequação à cultura da lei é a compreensão de que o dado pessoal pertence à pessoa a quem ele se refere e ninguém tem autorização para armazená-lo por tempo ilimitado. Dessa maneira, há uma obrigação de zelar pela transparência e boa-fé em todo tipo de uso das informações em questão. Com isso, é possível definir uma visão e política de tratamento para esse quesito, permitindo ações de desenvolvimento de colaboradores que levem em consideração essa nova realidade.
Definida esta lógica de atuação, a empresa deve estar pronta para atender de modo imediato todo cidadão que queira saber sobre como as informações são tratadas por aquela organização, bem como os pedidos de eliminação e correção. A transparência é um aspecto fundamental desse processo e, caso seja deixada de lado, tanto o setor público como o privado devem levar em conta as penalidades da LGPD, como as próprias multas, bloqueios de uso de dados, dentre outras.
E por falar nas instituições governamentais, é essencial que haja um planejamento de conscientizar permanentemente a sociedade sobre a relevância do dado pessoal e a necessidade de cada um ser um fiscal do cumprimento da sua principal legislação no Brasil. Até pouco tempo atrás, esse valor não era debatido da maneira correta, ensinando de fato sobre como essas informações podem ser usadas e os prejuízos advindos de um uso fraudulento.
Diante desse novo contexto, o governo brasileiro deve ter como prioridade a criação de uma política pública de desenvolvimento da cultura de cidadania digital, principalmente para os mais jovens. Se o conhecimento dos deveres e direitos sobre dados pessoais começa a surgir nas escolas, passando pelo engajamento de pais e responsáveis, o ambiente virtual se torna mais seguro e respeitoso de forma orgânica.
Dado o panorama de vigência da LGPD e a nova tendência de atuação da ANPD, se as empresas, o poder público e os cidadãos abraçarem um caminho da educação sobre o tema, definitivamente há uma predisposição para a sua urgência ser reforçada. Já passou da hora de corrermos atrás do prejuízo em comunicar e conscientizar a sociedade sobre dados pessoais, portanto precisamos aproveitar o cenário atual para otimizar o desenvolvimento da cultura social sobre a proteção dessas informações.
*Advogado e especialista em Direito Digital, Marcelo Fattori é CEO e fundador da seusdados, legaltech especializada na proteção de informações das empresas.