Opinião

Câmara equivoca-se ao tributar dividendos de profissões regulamentadas

Texto aprovado representa instrumento de elevação da carga tributária

6 de setembro de 2021

Por Douglas Guidini Odorizzi*

Artigo publicado originalmente na ConJur

O PL 2.337/21, aprovado pela Câmara dos Deputados com IR sobre dividendos à alíquota de 15% sem regular de maneira especial a peculiar situação dos prestadores de serviço por profissões regulamentadas, incorre em três grandes equívocos.

O primeiro deles é o de que, diferentemente do discurso adotado a justificar o projeto, o texto aprovado representa instrumento de elevação da carga tributária para essa parcela profissional. De fato, à exceção das empresas de porte pequeno (receita de R$ 4,8 milhões ao ano) e grande (receita de R$ 78 milhões ao ano), as demais, notadamente de médio porte, sujeitas ao lucro presumido, pagarão mais tributos sobre a renda/lucro se a proposta for convertida em lei do que atualmente. Isso porque a soma das incidências nas pessoas física e jurídica superará os percentuais atualmente aplicáveis apenas sobre a última. Para alguns deles, o aumento é de 50% na carga tributária. E nem se diga que os ganhos dos sócios e da sociedade deveriam ser avaliados isoladamente não só por isso contrariar a longa tradição de estudos sobre a integração dos resultados de ambos, incluindo a Receita Federal do Brasil [1], como também porque, como o PL 2.337/21 condicionou a reinstituição do IR-dividendos às reduções do IRPJ e da CSLL, não há dúvida de que os temas se imbricam.

Mais grave fica ainda a situação com a constatação de que o aumento de tributos, ao ser feito para as empresas de médio porte no lucro presumido, acabou por ser direcionada àquelas que hoje em dia são as que atualmente já pagam proporcionalmente mais IRPJ/CSLL. Segundo dados da RFB disponíveis, as sociedades do lucro presumido recolhem 2,49% (sobre a receita bruta), enquanto as empresas no lucro real 0,99% (aquelas no Simples recolhem menos ainda). Em tributos federais, são 9,4% (sobre a receita bruta) para o lucro presumido x 7,7% no lucro real. Portanto, ao reduzir as alíquotas nominais e aumentar as alíquotas efetivas no lucro presumido com faturamento superior a R$ 4,8 milhões, no que se inserem boa parte das prestadoras de serviços de profissões regulamentadas, o que se faz é aumentar a carga tributária para quem já paga mais e diminuí-la para quem já é menos onerado.

O segundo erro consiste no fato de que, para escapar desse aumento expressivo da carga tributária, os contribuintes certamente passarão a se valer de diversos planejamentos fiscais, quando o principal objetivo declarado na proposta foi o de fazer cessar a suposta prática. Além de aumentar litigiosidade, com a discussão do que é despesa pessoal do sócio e operacional da empresa, isso terá efeito desagregador dos negócios, já que prestadores de serviços com dois ou mais sócios e faturamento superior a R$ 4,8 milhões/ano deverão extinguir as suas sociedades e passar a atuar por meio de sociedades pessoais em associações tamanha a diferença de carga tributária entre aquelas isentas e as tributadas pelo IR-dividendos.

O terceiro equívoco é ignorar que as sociedades formadas por profissionais liberais têm como principal ativo o material humano, cuja produção intelectual e laboral é o elemento essencial da sua atividade. Isso as difere das demais pessoas jurídicas, que geralmente combinam capital, trabalho, tecnologia e insumos. Em decorrência, praticamente todo o lucro auferido na prestação de serviços daquelas é distribuído aos sócios. Assim, elas não têm as mesmas circunstâncias das sociedades empresárias, em que a capitalização dos lucros faz “parte do negócio”. Em consequência, parcela significativa dos resultados obtidos pelas sociedades empresárias, além de poder ser realocada por meio de holdings com isenção, será retida para reinvestimento e ficará fora do campo de incidência (até porque na alienação da participação o imposto incidirá com alíquotas de 15% a 22,5% sobre o ganho de capital). Já no caso das prestadoras de serviços personalíssimos, em que não há reinvestimentos significativos a fazer, praticamente todo o resultado deverá ser distribuído e ficará, neste momento, sujeito à tributação na figura dos sócios.

A injustiça em se negar tratar de maneira própria os profissionais liberais em função das características distintas dos seus negócios frente às atividades empresariais em geral é patente.

 [1] Estudos tributários. Prestação de serviços no lucro presumido. Nota 13, p. 16. Disponível em http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/estudos-diversos/prestacao-servicos-no-lucro-presumido

Douglas Guidini Odorizzi é especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Dias de Souza Advogados.

Notícias Relacionadas

Opinião

Publicidade dos acordos de leniência precisa de limites

Evidências produzidas se confundem com a própria essência dos processos