Opinião

Banco pode debitar em conta valor mínimo de fatura atrasada do cartão

É preciso considerar que o consumidor é parte vulnerável na relação contratual

23 de agosto de 2021

Por Amanda Oliveira Falcão*

Artigo publicado originalmente no Estadão

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que prevê o desconto do valor mínimo da fatura em atraso diretamente na conta corrente do titular do cartão.

A discussão iniciou-se em 2004 com o ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de instituição financeira. O MP pediu o reconhecimento da nulidade da cláusula do contrato de cartão de crédito que previa o débito diretamente da conta corrente do consumidor do valor mínimo da fatura.

Ao analisar a inicial, observa-se que o mérito da questão consistia no débito automático do mínimo da fatura em caso de dívidas não reconhecidas, ou seja, contestadas pelo consumidor bem como a necessidade de o consumidor requerer o estorno dos valores indevidos. Explico.

A exordial traz em tela precisamente as situações em que o consumidor conteste os lançamentos do cartão, situação em que o valor mínimo seria debitado da mesma forma, por previsão contratual, ou seja, um valor indevido não reconhecido pelo titular do cartão.

Uma vez que a administradora do cartão reconhecesse o valor como indevido, o consumidor precisaria ainda requerer o estono, ou seja, não seria de forma automática.

Sobreveio decisão da magistrada da 5ª Vara Cível de Niterói julgando procedente a ação e reconhecendo como abusiva a conduta do banco em retirar a quantia da conta corrente do consumidor, por tratarem-se muitas vezes de verbas de natureza salarial e necessária para sobrevivência.

A magistrada pontuou ainda que a conduta bancária coloca o consumidor em desvantagem exagerada ferindo assim o equilíbrio contratual e a boa-fé, que a prática foge da forma legal de cobrança de dívida estabelecida pela lei processual por ser ilegítimo o sequestro de valores da conta corrente do devedor e colaciona a jurisprudência do tribunal carioca.

A instituição financeira interpôs o cabível recurso de apelação, o qual restou improvido pelo Tribunal do Rio de Janeiro. A segunda instância corroborou o entendimento da magistrada e reconheceu a nulidade de pleno direito da referida cláusula, por violar o artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor e definiu a prática como arbitrária.

Assim, em sede de Recurso Especial nº 1.626.997/RJ a discussão chegou ao STJ. A Corte proferiu a decisão fundamentada na ausência de abusividade da cláusula contratual, bem como do modo de estorno dos valores pagos indevidamente.

A decisão do STJ menciona, ainda, que o pagamento mínimo é reconhecido como válido pelo Banco Central do Brasil desde 2010, visando incentivar o uso racional do cartão e reconhece a prática como uma espécie de garantia à continuidade do contrato e constitui-se mero expediente para a satisfação do crédito.

A decisão supra aplica-se tão somente as partes do processo, mas certamente será utilizada pelas instituições bancárias para que debitem os valores de cartões das contas dos consumidores.

O MP do Rio de Janeiro ainda poderá recorrer da referida da decisão.

No caso em tela, é necessário destacar que o inadimplemento do consumidor pode ter diversas razões, inclusive o não reconhecimento dos valores lançados na fatura, o que ocasiona um débito indevido na conta corrente do consumidor, que além de precisar contestar ainda precisará requerer o estorno para obter os valores, o que pode levar dias ou semanas e os valores não voltarão com correção por certo.

O consumidor fica em situação de desvantagem, visto que terá que arcar obrigatoriamente com valores indevidos logo não provisionados em seu orçamento e que certamente comprometerão despesas indispensáveis a sua sobrevivência.

O débito em conta corrente do valor mínimo atingirá inevitavelmente verbas de natureza salarial, as quais são impenhoráveis. Dessa forma, é necessário ponderar as diversas situações que podem ocorrer para verificar o real prejuízo da prática aos consumidores, considerando que o consumidor é parte vulnerável da relação contratual.

O inadimplemento voluntário do consumidor pode acontecer e cabe a este decidir a melhor forma de negociar dentro do seu orçamento, ficando impedido de assim proceder se o mínimo for obrigatoriamente debitado de sua conta sem que essa tenha sido sua escolha para o momento.

Vale destacar que o pagamento mínimo é reconhecido sim pelo Banco Central, mas sendo opção do consumidor e não por imposição da instituição financeira.

Certamente é importante o uso racional do cartão de crédito para que os consumidores arquem com suas dívidas evitando prejuízos às instituições bancárias e mantendo a boa relação contratual, mas é necessário ponderar o alcance da cláusula e considerar que o consumidor é parte vulnerável na relação consumerista, assim seu prejuízo é indiscutivelmente maior nessas situações.

Resta aguardar a interposição de recurso pelo MP do RJ e acompanhar a discussão que ao que parece ainda será longa.

*Amanda Oliveira Falcão, advogada no Diamantino Advogados Associados

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