Por Sofia Coelho Araújo*
Artigo publicado originalmente no Estadão
A palavra “assédio” nos remete a duas inevitáveis questões: a um conteúdo sexual e ao movimento do “politicamente correto”. O crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A, do Código Penal, que se configura mediante a conduta de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, é punível com pena de detenção de um a dois anos.
Já a “paquera”, não considerada ainda uma conduta criminosa, é, no máximo, algo antiquado. A famosa piadinha indecorosa, o famoso “fiu-fiu” no corredor, um abraço mais apertado, uma piscada, por aí vai…
Há uma linha muito tênue entre o galanteio – conduta socialmente tolerada, ainda que eventualmente incômoda ou criticada, e o assédio, onde há um “constrangimento indevido e insistente”.
Mas o que seria constrangimento indevido? Enviar uma mensagem convidando para jantar uma vez seria flertar? E, em não se obtendo resposta, uma segunda mensagem poderia ser considerada assédio diante da “insistência” do interessado?
E se a “suposta vítima” corresponde a mensagens de flerte e não reclama nem solicita que aquelas investidas cessem, ainda assim, pode ser considerado assédio? Ou poderá invocar o temor hierárquico para justificar sua omissão?
Se há vontade expressa e clara da mulher ou do homem em afirmar que não tem interesse naquele relacionamento, ou seja, uma conduta negativa em relação a “investida”, a partir daquele momento a atitude poderá se enquadrar no Código Penal. O assédio deve ser uma conduta que ofende a vítima, que desmoraliza, que é desproporcional e muito mais do que inapropriado. Caso contrário, estamos falando de simples paquera.
E este é o ponto de extrema importância para reflexão. Isso porque incidente sobre a comunicação social cotidiana: qualquer coisa menor que um dano concreto e de inviável reparação poderá, quem sabe, gerar indenizações, mas, em hipótese alguma, justificar a criminalização de condutas.
Há pouco tempo atrás, por exemplo, era extremamente comum que as mulheres fossem conquistadas pelos homens após muita insistência, e somente após inúmeras investidas e cantadas que se iniciaria um relacionamento amoroso. Tempo bom esse. Sorte da minha avó, da minha mãe e das que viveram em épocas em que as pessoas não eram tão frustradas, amarguradas e chatas.
Hoje, tais investidas, se insistentes, podem ser vistas como assédio, perseguição, etc… Portanto, se você ainda oferece caronas a colegas de trabalho ou convida uma funcionária para sair para “happy hour”, saiba que é mais seguro brincar de pular de paraquedas, só que sem o paraquedas.
Brincadeiras à parte, se você é um homem branco ocidental, saiba que está sujeito ao julgamento mais subjetivo que verás, sem a necessidade de que as provas sejam apresentadas, bastando a palavra da “vítima”. Tenso, não é?
Ora, me parece óbvio que a arte da sedução faça parte da conquista, e só há uma forma de conquistar e de se aproximar de alguém: flertando!
Existe uma cultura do “politicamente correto” hoje que tudo proíbe. Isso, além de chato e extremamente danoso aos românticos, desmerece as próprias mulheres e a necessidade da conquista que nos acompanha desde os primórdios. Com o devido respeito aos chatos e chatas de plantão, existem mulheres que ainda querem ser paqueradas. Eu mesma sou uma delas! Ai do meu marido não me conquistar todo santo dia.
Os homens, com toda razão, chegam a ficar com medo, acuados no tratar com o sexo oposto, já que tudo virou argumento para “proteção da mulher” e qualquer atitude pode ser tida como crime, ainda que sejam compatíveis com os costumes e essência humana.
A pergunta é: quem vai pagar essa conta? Eu respondo: nós, mulheres, que em determinado momento da nossa história esquecemos que somos bem diferentes dos homens (graças a Deus), que temos idade reprodutiva, temos necessidades biológicas distintas e que naturalmente objetivamos a conquista dos nossos pretendentes.
Enfim, se é certo que o gênero feminino precisa de proteção, não menos certo é que o exagero em proteger acaba por aniquilar o próprio protegido. Saibamos agir com bom senso, deixando o Direito Penal para aquilo que ele realmente serve: segregar a fera.
*Sofia Coelho Araújo é advogada criminalista, especialista em Direito Público, responsável pelo Núcleo de Violência de Gênero do escritório Daniel Gerber Advogados