Por Lucas Paglia e Bruno Galvão Ferola*
Artigo publicado originalmente na ConJur
Em um momento marcado pelo isolamento social e por notícias de agravamento mundial dos diversos sistemas de saúde devido à pandemia do Covid-19, é preciso redobrar a atenção para questões que sempre estiveram presentes como a Integridade. Como se adaptar a esse novo momento e, ainda assim, cumprir a agenda de controles e integridade?
A produção legislativa continua, agora bastante focada em medidas emergenciais de combate ao Covid-19 e às suas repercussões socioeconômicas, deixando passar matérias que, em outros momentos, seriam objeto de um debate extenso. É o caso da Lei nº 13.979/2020 junto à Medida Provisória nº 926/2020, que, por meio da dispensa de licitação, flexibilizam as regras para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia. Também é o caso do Decreto nº 10.314/2020, que flexibilizou as regras de doação de entidades privadas para entidades públicas.
Não entrando no mérito da assertividade de tais medidas, uma ampla dispensa de licitação, bem como a flexibilização das regras de doação abrem portas para irregularidades que deverão ser observadas pela empresa, pois contexto nenhum as isentaria das sanções da Lei Anticorrupção Brasileira (Lei nº 12.846/2013).
Em tempos atípicos como os atuais, não se pode assumir que a flexibilização das regras será maléfica ao país. Pelo contrário: casos como o do Itaú Unibanco, que anunciou doação no valor de R$ 1 bilhão para financiar o combate à Covid-19, tornaram-se emblemáticos para disseminação de mensagem de solidariedade em um momento de dificuldade.
Entretanto, por mais benéficas que sejam as doações, é importante ressaltar que tal atitude não afasta a indicação de que sejam sempre acompanhadas das melhores diligências que um Programa de Integridade pode prover, como a elaboração de um relatório com recomendações de como essa doação pode ser operacionalizada sem expor a empresa a riscos.
Ademais, cenários incertos como o que vivemos podem ocorrer, ano após ano, em maior ou menor gravidade, como nos últimos tempos, que foram marcados por eventos como: a greve dos caminhoneiros (2018), o impeachment de Dilma Rousseff (2016), a Operação Lava Jato (2013-2020), entre outros.
Tais eventos fazem parte do avanço da sociedade e seus impactos variam de indústria para indústria. Diante do cenário marcado por incertezas, há uma tendência de que os governos de diversos países editem normas com o objetivo de mitigar certos riscos.
O caráter emergencial das contratações — seja no atual cenário de emergência na saúde pública ou em qualquer outra circunstância que fuja da normalidade — exigirá a adoção de cautelas e precauções, principalmente pela área de Integridade (Compliance) das empresas.
Neste contexto, alguns questionamentos são pertinentes: quais devem ser os papéis do Departamento de Integridade (Compliance) e da alta direção diante da situação emergencial que o Brasil vive? Algo pode ser feito para minimizar os riscos aos quais as empresas estão expostas?
Uma coisa é certa: não é recomendável que as contratações ou doações sejam realizadas sem ao menos uma diligência prévia sobre a outra parte, o objetivo e quais são as medidas de controle e monitoramento — pontos que podem ser considerados rotina em um departamento de Integridade.
Em tempos de crise, em que o cenário sócio-político exige medidas de resposta rápida — como decretos do Poder Executivo e Medidas Provisórias — o Governo Federal sancionou a Lei nº 13.979, em fevereiro de 2020, estabelecendo em seu texto medidas para o enfrentamento da Covid-19.
Em março, essa lei sofreu alterações para garantir maior efetividade nas providências emergenciais por meio da Medida Provisória nº 926/2020. No mesmo dia em que foi editada esta medida, também foi editado o Decreto nº 10.282/2020, que regulamenta a lei para definir quais seriam os serviços públicos e as atividades essenciais. Apenas 5 dias depois, este decreto foi alterado pelo de nº 10.292/2020 para ampliar o rol de serviços e atividades essenciais.
O artigo 4º da Lei 13.979/2020 estabelece a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública vigente. Desta forma, a Administração Pública Federal poderá adquirir produtos médicos e hospitalares, bem como contratar terceiros sem a necessidade dos devidos procedimentos licitatórios usuais.
Conforme exposto na lei, a dispensa retratada é temporária, limitando-se ao período que a pandemia perdurar. Entretanto, sempre haverá casos em que contratações ocorrerão em contextos emergenciais, demandando velocidade e dispensando etapas usuais do procedimento regular.
Por mais que haja respaldo legal que fundamente a desobrigação, bem como um contexto que justifique a urgência, alguns procedimentos de contratação poderão ser cobrados pelas autoridades públicas ou fiscalizadoras caso venham a identificar irregularidades provenientes daquela conjuntura. O prosseguimento de determinadas diligências será essencial para que, aos olhos das entidades sancionadoras, a pressa não se confunda com imprudência.
De todo modo, será imprescindível que se realize as devidas diligências capazes de atestar a integridade dos terceiros que se deseja admitir. Tal prática, internacionalmente conhecida como due diligence, neste contexto específico, será direcionada à análise ética e reputacional do terceiro envolvido, o que chamaremos de Due Diligence de Integridade (“DDI”).
No caso do Brasil, a Lei Anticorrupção deixa clara a responsabilização da empresa pelos atos dos terceiros contratados, estabelecendo, inclusive, que as Políticas de Integridade, quando necessário, deverão ser estendidas aos terceiros. A empresa poderá responder por atos, no seu interesse ou benefício, praticados por terceiros, tornando crucial que estes sejam avaliados e monitorados no âmbito ético e reputacional.
Em casos excepcionais, as empresas poderão realizar contratos emergenciais sem que haja avaliação de riscos. É ideal neste cenário a contratação de terceiros que já prestaram serviços anteriormente e que, pela natureza de suas atividades, possuem baixos riscos, o que mitigará possíveis problemas futuros, bem como o monitoramento constante das suas atividades.
Os riscos de integridade, anticorrupção e reputacionais podem vir à tona independentemente de como estiver a demanda da empresa num momento destoante como o que vivenciamos agora. A crise gera momentos de oportunidade, mas também pode promover a venda de facilidades.
A prevenção por meio da análise de com quem se faz negócios supera qualquer circunstância atípica, visto que os órgãos fiscalizadores não terão pena de impor suas sanções, ainda que irregularidades sejam cometidas em períodos de calamidade pública. Pelo contrário: o afrouxamento das regras que balizam contratações e licitações exigirão das empresas maior esforço e foco na prevenção e detecção dos eventuais riscos que serão assumidos por meio das novas parcerias de negócio.
Lucas Paglia é sócio da P&B Compliance, advogado especialista em gerenciamento, mitigação e mapeamento de risco, pós-graduado em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas e certificado pelo Insper em Proteção de Dados & Privacidade.
Bruno Galvão Ferola é sócio da P&B Compliance, formado em Direito pela PUC/SP, pós-graduado em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP, e voluntário do projeto Constituição nas Escolas.