Por Victor Meireles Faria*
Artigo publicado originalmente no Estadão
O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a força e eficácia da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) ao decidir que o compartilhamento de dados dos brasileiros, realizado pelos órgãos do governo, deve limitar-se ao “mínimo necessário” para o alcance de seus objetivos, e estes devem ser bem determinados e específicos.
Tal decisão, de 15 de setembro último, foi dada no julgamento da ADI 6.649 e da ADPF 695, visando criar regras para a aplicação do Decreto 10.046 de 2019 — o qual instituiu o denominado “Cadastro Base do Cidadão”.
A norma tinha como intenção unificar as informações pessoais dos brasileiros em apenas uma plataforma, a fim de evitar atrasos injustificáveis na realização de procedimentos pelos órgãos públicos. Nesta plataforma haveria a integração de dados dos cidadãos, encaminhados por diversas bases de variados órgãos públicos, os quais compartilhariam os dados que possuem, gerando, assim, um banco de dados único.
O intuito da norma era agilizar os procedimentos para o setor público, de forma que tal agilidade também se aplicasse ao cidadão, que poderia reunir todos os documentos necessários — certidões, comprovantes fiscais etc. — em apenas uma plataforma.
No entanto, é salutar mencionar que o compartilhamento de dados dos cidadãos brasileiros, seja ele feito por entidades privadas ou públicas, é tema delicado, pois envolve dados pessoais e sensíveis de indivíduos. E o tema é amplamente tratado na LGPD, norma de suma importância para a dignidade humana, que versa sobre o tratamento de dados pessoais, englobando diversas regras e procedimentos para a realização deste.
Ressalta-se que a LGPD foi criada justamente para proteger o direito de privacidade das pessoas, bem como para garantir que os dados disponibilizados e compartilhados apenas sejam utilizados para os devidos fins aos quais foram coletados. É certo que o compartilhamento de dados pela administração pública dispensa o consentimento específico; no entanto, deve existir total transparência sobre quais dados serão compartilhados e com quem se dará tal partilha.
E nesse sentido foi o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, na ADI e ADPF supracitadas, para que o compartilhamento de dados observe os requisitos estabelecidos na LGPD, definindo também que, caso seja provado o abuso no tratamento de dados e/ou violação do sigilo destes, os servidores públicos poderão responder por improbidade administrativa.
Ainda, foi dado pelo STF o prazo de 60 dias para que o governo federal reformule o Comitê Central de Governança de Dados, a fim de que este inclua membros da sociedade civil (atualmente, o comitê é composto apenas por membros do Poder Executivo).
O voto do relator foi seguido pelos ministros Roberto Barroso, Luis Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Desta forma o STF reforça a eficácia da LGPD, trazendo, assim, maior segurança ao cidadão brasileiro de que seus dados e informações serão utilizados de maneira responsável e com base nos preceitos legais, ao mesmo tempo em que garante que uma norma não anule outra, preservando a harmonia do ordenamento legal brasileiro.
*Victor Meireles Faria, advogado da área civil do GVM Advogados, é especializando em Direito Empresarial pela FGV.