Opinião

Afinal, é possível usar prejuízo fiscal ou base negativa na transação tributária?

Tema de altíssima relevância ainda deverá ser alvo de judicialização

20 de setembro de 2022

Por Douglas Guilherme Filho*

Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo

Após a União ter editado a Lei 14.375/2002 que, dentre outras coisas, trouxe benefícios aos interessados em aderir à transação tributária, um grande debate veio à tona entre juristas, contribuintes e estudiosos do direito tributário: é possível utilizar prejuízo fiscal ou base negativa para liquidar débitos tributários?

O tema é de altíssima relevância, principalmente em meio a um cenário de pós-pandemia, em que muitos contribuintes acumularam prejuízos fiscais/saldo negativo, fruto das inúmeras restrições impostas pela Covid-19 ao cotidiano brasileiro e mundial, cumulando na falência de empresas, encerramento de atividades empresariais e no aumento no número de demissões.

Desde 2020, auge do coronavírus, a União vem adotando medidas para mitigar as consequências da nefasta pandemia que aterrorizou a economia global. Dentre elas, uma de grande relevância para o Direito Tributário foi a edição da Lei 13.988/2020, que após mais de 50 anos de vigência do Código Tributário Nacional finalmente regulamentou a possibilidade de utilização da transação tributária para fins de extinção do crédito tributário. 

Essa medida possibilitou que os contribuintes pudessem transacionar com a União débitos que estivessem em aberto, mas suas condições, em um primeiro momento, não eram tão favoráveis, o que limitou o número de acordos firmados pelo ente federado.

Visando tornar a transação tributária mais atraente, recentemente a União flexibilizou algumas medidas, o que gerou aumento expressivo no número de interessados em aderir ao programa.

A título exemplificativo, podem ser citados os seguintes pontos: aumento no prazo para quitação dos débitos, concessão de descontos maiores, possibilidade de incluir débitos que ainda não estivessem inscritos em dívida e, a mais atraente para os contribuintes, a possibilidade de amortizar a dívida mediante a utilização de prejuízo fiscal (IRPJ) e base negativa (CSLL). 

Prejuízo fiscal representa um resultado negativo decorrente da apuração do lucro real, após os ajustes de adição e exclusão, permitidos na legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Por sua vez, a base negativa de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) decorre da apuração de um resultado menor que zero, após ajustes previstos na legislação competente (exclusões e adições).

Embora esses resultados negativos possam reduzir a carga tributária para fins de apuração de IRPJ/CSLL, a legislação tributária impõe algumas vedações para sua utilização, dentre elas a chamada trava dos 30%, que limita o percentual dos valores a serem deduzidos em um determinado período.

Assim, a utilização desses valores para fins de amortização de débitos tributários se mostra de grande valia para os contribuintes, motivando um maior número de interessados a aderirem à transação tributária.

No entanto, passado um mês da data edição da Lei que permitiu a utilização do prejuízo fiscal/base negativa para fins de amortização de débitos tributários, sobreveio a Portaria PGFN 6.757/2022, que reduziu drasticamente o entusiasmo dos contribuintes em regularizar a sua situação fiscal. 

Isso porque, a pretexto de regulamentar as benesses previstas Lei 14.375/2002, tal portaria acabou por impor condições não previstas na mencionada Lei, limitando a utilização de prejuízo fiscal/base negativa para os casos em que os débitos fossem classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Para fins de enquadramento nos critérios da Procuradoria da Fazenda Nacional, esses débitos deveriam: (I) ter sido inscritos em dívida ativa há mais de 15 anos e não possuírem garantia; ou (II) estarem com a sua exigibilidade suspensa há mais de 10 anos por decisão judicial; (III) serem de titularidade de falidos ou de empresas em recuperação judicial. 

A norma regulamentadora limitou ainda a utilização do prejuízo fiscal/base negativa para fins de amortização de juros e multa, impossibilitando que os valores relativos ao principal fossem amortizados.

Em suma, o que o ato administrativo fez, foi impor restrições não previstas em lei, ao arrepio do princípio da legalidade e da hierarquia das normas, definindo condições até então inexistentes.

Diante de uma enxurrada de questionamentos, a Procuradoria da Fazenda Nacional, 5 dias depois da edição do temerário ato, tentou corrigir as incongruências constantes na mencionada portaria. 

Para tanto, editou a Portaria PGFN 6.941/2022, que apesar de ter revogado algumas imposições previstas na primitiva Portaria PGFN, se preocupou apenas de restabelecer a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal/base negativa para fins de amortização do valor principal, mantendo as demais restrições.

Assim, a despeito de a Portaria PGFN 6.941/2022 ter revogado parte das imposições relativas à utilização de prejuízo fiscal/base negativa, remanescem vigentes limitações que originalmente não constavam na redação da Lei 14.375/2022, o que certamente acarretará a judicialização da matéria, a fim de que esses valores possam ser usados como moeda de troca nas transações tributárias.

 Douglas Guilherme Filho é sócio da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados.

Notícias Relacionadas

Opinião

Proteção de dados como um dos pilares dos critérios ESG

É importante levar a sério processo de adequação da proteção de dados

Notícias

Programa de autorregularização de dívidas pode atrair empresas

Lei tem como objetivo incentivar o contribuinte a quitar voluntariamente débitos