Opinião

Acordo de não persecução penal e crime ambiental

Medida reforça o uso da consensualidade na busca por um processo mais eficiente

11 de maio de 2020

Por João Emmanuel C. Lima e Pedro Montanher*

Artigo publicado originalmente no Valor

No dia 23 de janeiro, entrou em vigor a Lei Federal nº 13.964, de 2019, conhecida como pacote anticrime do ministro Sergio Moro. Uma das principais mudanças trazidas pela nova norma foi a figura do acordo de não persecução penal.

Trata-se de medida instituída por meio da inclusão do artigo 28-A ao Código de Processo Penal e que reforça a tendência de uso da consensualidade na busca por um processo penal mais eficiente, inclusive quando o que está em jogo são crimes ambientais relevantes, como a poluição de rios ou a realização de queimadas irregulares.

A nova lei permite que o Ministério Público faça um acordo com o investigado em que se compromete a não o denunciar. Em troca, este deve confessar o crime e cumprir algumas obrigações, como a reparação do dano que tiver causado, a renúncia de bens ou direitos que sejam produto do crime, ou outra condição indicada, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Para que o acordo possa ser firmado entre o Ministério Público e o investigado, o crime não pode ter sido cometido com violência ou grave ameaça e deve ter pena mínima inferior a quatro anos. Além disso, a medida não será possível se o investigado for reincidente, tiver sido beneficiado nos últimos cinco anos em outro acordo de não persecução, transação penal ou suspensão condicional do processo, ou puder ser beneficiado por transação penal.

Quando se verificam os requisitos da admissão do acordo de não persecução penal, constata-se que se trata de medida que poderá ser amplamente utilizada em discussões sobre a prática de crimes ambientais, como é o caso do desenvolvimento de atividade sem a devida licença ambiental, a destruição de florestas ou o transporte irregular de substância perigosa. Isso porque não há na Lei de Crimes Ambientais – Lei Federal nº 9.605, de 1998 – praticamente nenhum crime cuja pena supere o limite de quatro anos fixado para o acordo, mesmo considerando as causas de aumento de pena. Normalmente, também não há falar em violência ou grave à ameaça em tais delitos.

É de se ter em conta ainda que a lei exige que o infrator se comprometa a reparar os danos para que o acordo seja celebrado. Isso faz com que ele possa ser utilizado como uma ferramenta para agilizar a adoção de ações com esse objetivo, que são vitais quando o que está em jogo são condutas causadoras de degradação ambiental.

O ponto sensível da celebração de acordo desta natureza pelos investigados é o sopesamento de seus prós e contras. É certo que o não oferecimento da denúncia o isenta de se submeter ao processamento penal e mantém sua primariedade, não provocando efeitos de reincidência. Também elimina o risco que ele teria de ter que cumprir uma pena caso viesse a ser condenado.

Contudo, deve-se ter em conta a relevância da confissão no âmbito penal, pois crimes ambientais por vezes estão acompanhados de processos cíveis (como ações civis públicas) e administrativos (decorrentes da lavratura de autos de infração), e esta admissão de culpa poderá irradiar efeitos também nestas áreas.

Além disso, é necessário levar em consideração que o descumprimento de quaisquer das condições estipuladas no acordo permite que o Ministério Público o rescinda e ofereça a denúncia num processo maculado pela confissão pretérita. E mais: esse inadimplemento poderá ser utilizado como justificativa para o não oferecimento da suspensão condicional do processo, benefício a que o investigado poderia ter direito em condições normais.

Ainda sobre as cautelas a serem observadas, vale ressaltar que, na atual conjuntura, nosso ordenamento jurídico admite a responsabilização penal ambiental tanto de pessoas naturais quanto de empresas. Quando tais crimes decorrerem de atividades empresariais, poderão ser responsabilizadas pessoas físicas – em regra um sócio ou administrador – e jurídicas, em conjunto ou separadamente, a depender do caso e da análise do Ministério Público sobre a conduta lesiva praticada. Logo, nesse contexto, a negociação de um acordo de não persecução deve considerar suas repercussões sobre todos os potenciais envolvidos nos fatos, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Diante desse quadro, verifica-se que o acordo pode ser uma alternativa útil para a solução de alguns casos com benefícios para os investigados por crimes ambientais e para a sociedade. Porém, a análise da assunção dos compromissos numa provável proposta de acordo de não persecução penal realizada pelo Ministério Público deverá se submeter a uma análise jurídica ampla e criteriosa de todas as suas consequências e variáveis.

João Emmanuel Cordeiro Lima e Pedro Montanher são, respectivamente, sócio e advogado da área de direito penal ambiental do Nascimento e Mourão – Sociedade de Advogados.

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