Opinião

Acertos e erros do marco legal das startups

Lei deixou a desejar no que tange aos aspectos de Direito Privado

18 de junho de 2021

Por Marcos Roberto de Moraes Manoel

Artigo publicado originalmente na ConJur

Em 1º de junho foi sancionada a Lei Complementar 182, denominada marco legal das startups, a qual também introduziu modificações na Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76).

O legislador teve por objetivo criar um ambiente de negócios mais favorável às empresas que atuam com inovação, especialmente tecnológica, bem assim fomentar o empreendedorismo e a promoção de investimentos.

Nos artigos 1º a 4º, estabelece os princípios e diretrizes fundamentais do marco legal; nos artigos 4º a 11, trata das regras de Direito Privado e, nos artigos 11 a 15, das normas de Direito Público.

Em que pese a louvável intenção, o marco legal deixou a desejar no que tange aos aspectos de Direito Privado, pois simplesmente reproduziu estruturas e práticas que já eram amplamente conhecidas e empregadas pelo mercado.

A autonomia privada e da vontade, a liberdade de contratar, a livre iniciativa, a força obrigatória dos contratos e a boa-fé objetiva, como grandes vetores do Direito Privado, eram mais do que suficientes e bastantes para oferecer a base de sustentação necessária ao desenvolvimento dos negócios inovadores, de forma que o próprio mercado criou as soluções de que precisava, evidenciando-se que era despiciendo a positivação de regras.

No entanto, a questão que gera grande insegurança jurídica no meio — a natureza jurídica da concessão de opções de subscrição de ações a colaboradores das startups como forma de incentivo diante da escassez de capital que essas empresas normalmente enfrentam no início de suas operações — foi solenemente ignorada. Preferiu não se enfrentar se seria ela remuneração, sendo sujeita, portanto, à tributação e encargos trabalhistas como se verba trabalhista fosse; ou se seria ela um negócio jurídico societário, caso em que estaria sujeita a arcabouço diverso.

Com relação às normas de Direito Público, somente o tempo dirá se elas alcançarão o propósito da lei, porém parecem ser mais auspiciosas, tendo em vista o princípio da legalidade que permeia a atividade do Estado e a pretensão de se viabilizar a contratação de empresas tecnologicamente inovadoras para a prestação de serviços públicos e a consecução dos interesses primários e secundários da Administração Pública.

No que concerne às modificações introduzidas na Lei das Sociedades por Ações, foi criada a denominada sociedade anônima simplificada. Em geral, as alterações propiciam a redução de custos e a simplificação de regras jurídicas e contábeis contidas na norma, visando, outrossim, a viabilização do acesso ao mercado de capitais pelas empresas que aderirem ao tipo societário simplificado.

Em suma, inovou-se nos seguintes aspectos:

1) Estabeleceu que a S/A poderá ter apenas um diretor estatutário – redução de custos;

2) Com relação às publicações legais, parece que a lei pretendeu viabilizar a redução de custos às S/A de capital fechado com receita bruta anual de até R$ 78 milhões, pois estabelece que elas podem realizá-las em forma eletrônica; no entanto, a redação do dispositivo tende a gerar confusão, pois, em sua parte final, excepciona a regra, fazendo referência ao artigo 289 da Lei das S/A, que é justamente o artigo que determina que as publicações legais sejam feitas em diário oficial e em jornal de grande circulação de onde estiver situada a sede da companhia; parece que houve uma falha do legislador;

3) Substituição dos livros societários por registros mecanizados ou eletrônicos;

4) Havendo omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, dá amplo poder à Assembleia de Acionistas para que deliberem a respeito, ignorando-se as reservas de lucros estabelecidas em lei, observadas, porém, as preferências de acionistas preferencialistas. Cuidou-se de uma simplificação das regras contábeis previstas na lei;

5) A CVM poderá flexibilizar regras para facilitar o acesso da S/A simplificada ao mercado de capitais, dispensando a obrigatoriedade de instalação do Conselho Fiscal, e dispensando a obrigatoriedade da intermediação da distribuição de valores mobiliários no mercado por instituição financeira. Porém, parece que a lei se equivocou ao permitir a supressão do direito essencial do acionista de participar nos lucros, inclusive por meio do dividendo obrigatório, bem como permitir a supressão do direito do acionista preferencialista de votar na hipótese de não receber dividendos durante três exercícios consecutivos; e

6) A CVM poderá também, visando a facilitação do acesso ao mercado de capitais, promover outras simplificações para a S/A simplificada, uma medida positiva, sobretudo porque tende à redução de custos e desburocratizará procedimentos.

Conclui-se, portanto, que o objetivo da lei é meritório, mas ela seria prescindível no que diz respeito ao Direito Privado, haja vista que o próprio mercado já se encarregara de criar diversas soluções que foram agora tipificadas.

No espectro do Direito Público, a lei, possivelmente, há de se mostrar útil. Quanto às mudanças na lei societária, elas aparentam ter trazido inovações positivas, mas, por outro lado, alguns equívocos, assim como erros materiais, os quais haveriam de ser tempestivamente sanados pelo legislador.

*Marcos Roberto de Moraes Manoel é advogado, sócio coordenador do Núcleo de Direito Societário do Nelson Wilians Advogados e especialista em Direito Empresarial e em Contratos.

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