Por Daniela Favaretto*
Artigo publicado originalmente no Estadão
A decretação do estado de pandemia e o isolamento social produziram efeitos de ordem econômica, negocial e social em todos os setores da economia, e em especial, no setor da moda. Em razão do fechamento dos serviços considerados não essenciais, o setor da moda sofreu uma queda abrupta na venda de seus produtos. Segundo os dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), em junho, o setor têxtil sofreu uma queda de 96% em suas encomendas. Todavia, se de um lado essa indústria sentiu drasticamente os efeitos da pandemia, de outro, alguns nichos da indústria da moda ganharam destaque.
Nesse sentido, um dos assuntos que foi comentado em muitas revistas, programas de tv e mídias sociais foi o autocuidado e o “faça você mesmo”, o chamado self-care, tendo em vista que diante do fechamento das atividades consideradas não essenciais, como salões de beleza, clínicas de estética, entre outras, todos os brasileiros tiveram de se reinventar no quesito cuidados pessoais.
Isso, consequentemente, atraiu olhares para a indústria da beleza, já que o autocuidado é um dos meios encontrados pelas pessoas para lidar com os efeitos psicológicos decorrentes da quarentena, revelando e trazendo à tona dados importantes do setor, já que muitas marcas desenvolveram produtos que proporcionam ao consumidor experiências, como relaxamento e bem estar. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a contribuição do setor da beleza para a movimentação da economia em dezembro de 2018 fez com que o país ocupasse o ranking de terceiro colocado no mercado global em lançamento de produtos por ano.
Por outro lado, em razão da representatividade e do crescimento desse mercado, que inclui itens de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, a pandemia ressaltou aos empresários que estão à frente do negócio, a necessidade de um olhar atento para lidar com as diversas e complexas questões que envolvem o setor da beleza.
Em linhas gerais, sem qualquer pretensão de esgotar as particularidades dessa indústria, pois cada item é pauta para uma nova matéria, ressalta-se, por exemplo, questões: de sustentabilidade, como o descarte de resíduos e embalagens; tecnológicas, como é o caso das empresas que possuem aplicativos que identificam o produto ideal para a pele do consumidor e produzem sob medida. Isso gera uma coleta de dados sensíveis, fazendo com que a empresa tenha de cumprir com as legislações, como é o caso da LGPD, que acabou de entrar em vigor; regulatórias, frente aos diversos regulamentos e leis que disciplinam o setor; consumeristas, como a produção de produtos denominados “limpos”, ou seja, que não devem levar em seus ingredientes produtos de origem animal ou vegetal, mas que, por vezes, têm o conteúdo do frasco que diverge da denominação atribuída pela marca, pelo fato de possuir uma pequena quantidade de componentes sintéticos ou animais, o que pode levar ao desencadeamento de ações judiciais criminais, que evidenciam a prática da contrafação; contratuais, em razão da pluralidade de contratos que permeiam o setor; tributárias, haja vista a série de medidas que desde 2015 vêm impactando essa indústria, como, por exemplo, o aumento do IPI e ICMS em alguns Estados brasileiros, entre outras questões.
A pandemia e o isolamento social trouxeram ainda, a oportunidade de o empresário remodelar o seu negócio para que ele seja sustentável do ponto de vista ambiental, financeiro e social. Nesse sentido, após a retomada das atividades, como das clínicas de estética e dos salões de beleza, se fez necessário que esses estabelecimentos adotassem algumas condutas para estarem em conformidade com diversos protocolos de compliance que foram implementados em razão da pandemia e com as normas de biossegurança que devem estar de acordo com as regras gerais da ANVISA, como por exemplo: revisão dos contratos mantidos com seus fornecedores; elaboração e / ou revisão de cartilhas de boas práticas com funcionários e fornecedores; revisão dos protocolos de atendimento domiciliar; revisão da ficha de anamnese e treinamento de funcionários, dentre outras medidas.
O que notou-se com a pandemia para a indústria da beleza, é que se faz necessário que o empresário junto à sua equipe técnica e jurídica estejam bem alinhados e que conheçam com profundidade as demandas e a realidade desse nicho, de sorte que possam, em conjunto, traçar a melhor estratégia, a fim de preservar a reputação da marca, mitigar os riscos e as contingências diante do olhar crítico e exigente do público, cada vez mais preocupado com os produtos que consomem e com as questões éticas, ambientais e morais.
*Daniela Favaretto, advogada, é sócia da área de Fashion Law de Chiarottino e Nicoletti Advogados