Opinião

A prova judicial e os títulos de créditos eletrônicos

Justiça deve se adaptar a plataformas digitais

10 de junho de 2020

Por Antonio Carlos de Oliveira Freitas e Georges Abboud*

Artigo publicado originalmente no Estadão

A profusão de medidas provisórias, leis, decretos e provimentos em razão da pandemia causada pela covid-19 trouxe maior evidência para o uso da tecnologia no ambiente corporativo. Em que pese o uso da tecnologia tenha só agora ganhado destaque, fato é que sua viabilidade jurídica para aplicação em várias atividades é possível há tempos, com destaque para a utilização em contratos e títulos de crédito.

O uso de assinaturas eletrônicas é possível desde o surgimento da Medida Provisória n. 2.200-2/2001. Contudo, apenas recentemente a sociedade parece ter se dado conta do ganho para as relações comerciais, com diminuição dos custos de transação, que tal engrenagem é capaz de produzir.

Nessa esteira surge a Lei n. 13.986/2020 – chamada Lei do Agro –, pela qual os instrumentos de financiamento do setor foram remodelados e adaptados ao cenário digital, para a ampliação dos títulos de crédito eletrônicos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na sequência, editou importantes provimentos, dentre os quais se destaca o de número 94, que reconhece não apenas a possibilidade da assinatura eletrônica em títulos de crédito, como também os chamados títulos nato digitais – emitidos exclusivamente na plataforma eletrônica.

Portanto, a partir da definição de título de crédito, contida no art. 887 do Código Civil – O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei –, vale analisar que a figura do documento está ligada ao princípio da cartularidade. Tal princípio, em tese, seria o obstáculo à emissão e à circulação dos títulos de crédito eletrônicos.

Entretanto, o fato de o título de crédito ser escrito e formal não implica necessariamente que seja um documento físico; em princípio, o meio pelo qual se o cria é indiferente. Ainda que com o mínimo de requisitos exigidos pela lei – art. 889, caput, do Código Civil –, a forma é determinante para preservar a confiabilidade do título de crédito.

A adoção do meio eletrônico, preserva a função de cartularidade inerente aos títulos de crédito, agora pautada num documento eletrônico e não em papel. Considerando que o princípio da cartularidade é aplicado aos títulos de crédito, como ficaria o ajuizamento de uma ação de execução com base em título eletrônico?

O atual Código de Processo Civil é compatível e harmônico com a realidade dos títulos de crédito eletrônicos. Nada impede que as partes, valendo-se sobretudo dos negócios jurídicos processuais atípicos (art. 190), disciplinem como eles serão usados, flexibilização mais do que necessária na contemporaneidade.

O dinamismo crescente das relações privadas contemporâneas já se fez ouvir no Legislativo. Agora, exige-se do Judiciário uma postura de humildade e adaptabilidade, por meio do uso de instrumentos processuais já existentes (negócios jurídicos processuais, por exemplo), que viabilize a consagração plena e inevitável das plataformas digitais. Introduzir as novas plataformas digitais e eletrônicas no cotidiano dos processos brasileiros é um dos elementos imprescindíveis para falarmos de acesso à Justiça no século XXI.

*Antonio Carlos de Oliveira Freitas, coordenador da Comissão de Agronegócio do Ibrademp, membro do Conselho Diretor da AASP e sócio do escritório Luchesi Advogados

*Georges Abboud, professor de Direito Processual Civil da PUC-SP. Sócio do escritório Nery Advogados

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