Opinião

A nova Lei de Recuperação Judicial e o pedido de falência pelo Fisco

Alterações podem desestimular empresas a regularizar débitos

1 de março de 2021

Por Gustavo Vaz Faviero*

Artigo publicado originalmente na ConJur

No dia 23 de janeiro, entraram em vigor as diversas alterações promovidas pela Lei nº 14.112/20 na Lei de Falências e Recuperação Judicial. Do ponto de vista tributário, o texto sancionado pelo Congresso trazia quatro inovações:

a) Inaplicabilidade da trava de 30% da utilização do prejuízo fiscal acumulado na apuração do imposto de renda (IRPJ) e CSLL incidentes sobre lucro líquido oriundo do ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos da pessoa jurídica em processo de recuperação judicial ou com falência decretada (artigo 6-B);

b) Não incidência do PIS/Cofins sobre a “receita” contábil decorrente dos descontos proporcionados por parcelamentos tributários especiais (artigo 50-A)

c) Instituição de dois tipos de parcelamento especial para empresas em procedimento de recuperação judicial (alteração do disposto nos artigos 10-A, V e VI da Lei nº 10.522/2002; e

d) Possibilidade da Fazenda Pública requerer a falência de empresas que não cumprirem os parcelamentos extraordinários concedidos durante o procedimento de recuperação judicial ou quando ela constatar eventual esvaziamento patrimonial do devedor (artigo 73, V e VI).

No final de 2019, os dois primeiros dispositivos indicados acima foram vetados pelo presidente Bolsonaro. Apesar das justificativas dos vetos apresentadas serem discutíveis, o presente texto irá focar na nova autorização legislativa para que o Fisco possa requerer a falência de empresas em recuperação judicial, em especial em três tópicos que indicam a sua incompatibilidade com o processamento do pedido de recuperação judicial.

Primeiro, a autorização do pedido de falência com base no esvaziamento patrimonial do devedor (artigo 73, VI) é dotada de alto grau de subjetividade. Isso porque não há nenhum parâmetro legal ou jurisprudencial para se determinar qual a proporção dos bens x dívida x faturamento que será apto a ensejar a insolvência e, consequentemente, o pedido de falência.

Essa medida se mostra ainda mais descabida quando existem instrumentos na legislação tributária para o reconhecimento de fraude à execução tributária, seja quando o débito se encontra inscrito em dívida ativa (artigo 185-A do CTN), desconsideração da personalidade jurídica da empresa e responsável pessoal dos envolvidos ou as demais medidas pré-executivas como a cautelar fiscal e o arrolamento de bens.

Ou seja, de posse desses mecanismos mostra-se totalmente desrazoável e desproporcional a concessão da legitimidade da Fazenda Pública para pleitear o pedido de falência do devedor.

Segundo, apesar de existir um precedente recente proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [1], a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a Fazenda Pública não detém legitimidade para requerer a falência de empresas/empresários [2].

Esse entendimento do STJ era alicerçado basicamente em quatro fundamentos: 1) na ausência do interesse público da concessão do pleito por parte do Fisco; 2) na função social da empresa; 3) na previsão de que cobrança do crédito tributário não se sujeita ao concurso de credores ou habilitação no processo falimentar ou na recuperação judicial, havendo instrumento adequado por meio da execução fiscal (artigo 187 do CTN c/c artigos 5, 23 e 31 da LEF); e 4) respeito ao princípio da preservação da empresa.

Terceiro, como já noticiado na mídia, a concessão de poderes para a Fazenda Pública requerer a falência do devedor foi possibilitada a partir do afastamento da trava dos 30% e do reconhecimento da não incidência do PIS/Cofins sobre a “receita” contábil (ou seja, sem o ingresso de receita financeira que integra o patrimônio da empresa) decorrente dos descontos decorrentes de parcelamentos extraordinários, instrumentos vetados pelo presidente.

Desse modo, apesar de ter sido mantido na lei um parcelamento especial onde autoriza uma negociação alongada (120 meses) ou a utilização do prejuízo fiscal para liquidar 30% do débito e parcelar o saldo em 84 meses (artigos 10-A, V e VI da Lei nº 10.522/2002), os contribuintes terão de avaliar com um cuidado redobrado ao optar por negociar as suas dívidas nesses termos, pois caso não possam cumprir com o parcelamento o Fisco poderá pleitear a sua falência.

Esse posicionamento vai contra o princípio da boa-fé e segurança jurídica. Afinal, os contribuintes que tomaram a iniciativa e optaram por tentar negociar e cumprir com as suas obrigações tributárias se colocarão em uma situação mais arriscada, pois haverá a possibilidade da Fazenda (municipal, estadual ou federal) requerer a sua falência, caso não seja possível o cumprimento do acordo, situação agravada em um cenário de pandemia e crise econômica decorrente da Covid-19.

Assim, haverá o risco destas alterações propostas desincentivarem as empresas a buscarem regularizar os débitos tributários, podendo inclusive haver uma redução na arrecadação tributária em decorrência dos riscos apontados.

[1] Processo nº 1001975-61.2019.8.26.0491, julgado pela 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

[2] REsp 164.389/MG, REsp 287.824/MG, REsp 363.206/MG, REsp 138.868/MG, REsp 1.103.405/MG, REsp 287.824/MG.

*Gustavo Vaz Faviero é advogado tributarista, coordenador da equipe tributária do escritório Diamantino Advogados Associados.

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