Opinião

A LGPD e seus reflexos na área de RH

Nova legislação afetará processos convocatórios de profissionais

5 de maio de 2020

Por Mariana Machado Pedroso*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Mesmo considerando o cenário excepcional que estamos vivendo, tudo leva a crer que s Lei Federal n. 13.709/2018, a já conhecida Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), entrará em vigor em 3 de maio de 2021 (Medida Provisória 959/2020).

Isso significa que independentemente do cenário que será delineado após superarmos esta pandemia, todas as pessoas jurídicas deverão se adequar às regras trazidas na Lei, sob pena de poderem ser punidas, ainda que as sanções não ocorram num primeiro momento.

E para se adequar, indispensável será o levantamento de todos os tratamentos de dados pessoais realizados no âmbito da empresa, por setores e equipes.

Muito embora a LGPD tem atraído os holofotes do mundo jurídico, o que acaba por ensejar um aumento exponencial de informações e recomendações sobre o tema, existe um setor que é presente em praticamente todas as empresas, mas que não tem se beneficiado da mesma exposição: o Departamento Pessoal (DP).

E não por outro motivo, acaba não tendo, de maneira prática, suas dúvidas e aflições dissecadas antes do início do procedimento formal de adequação à LGPD.

Sabe-se que sua nomenclatura poderá se alterar a depender da estrutura empresarial e da missão institucional. Pode denominar-se Departamento Pessoal, Depto. de Recursos Humanos (RH) ou, até mesmo, Depto. de Gestão de Pessoas (GP). Fato é que esses profissionais não têm encontrado facilmente as informações e esclarecimentos para que possam dar início à avaliação de seus setores.

Para trazer alguma luz sobre o tema, de maneira direta e prática, vale analisar dois exemplos, um no recrutamento e outro após a admissão, de situações que deverão ser atentamente avaliadas no contingenciamento da adequação à LGPD.

É importante destacar logo de início que a área responsável pelo pessoal começa a tratar informações pessoais mesmo antes dos titulares virem a fazer parte integrante da equipe. Isso acontece quando há abertura de uma vaga na empresa e, por consequência, sua divulgação.

Nesse momento, passam os empregados lotados na área de pessoal a ter que começar a tratar dados pessoais de terceiros. É preciso desde já estabelecer um processo de recrutamento bem estruturado e com fases para, assim, adequar o volume de dados a serem tratados em cada etapa do recrutamento.

Ora, qual a necessidade de se receber informações acerca da Carteira Nacional de Habilitação de um candidato a uma vaga de atendente de telemarketing se esse trabalhador não irá se deslocar a serviço?

Ou ainda, para que solicitar informações sobre os dependentes menores dos candidatos, já que tais informações somente serão necessárias à empresa após a admissão?

A possibilidade de ser responsabilizado pelo tratamento de dados pessoais certamente impactará os processos convocatórios de recrutamento tais como são feitos até hoje. Seria o fim da era das candidaturas por áreas nos sites conhecidas como “trabalhe conosco”? O recebimento de currículos, sejam eles impressos ou por e-mail? Será que as empresas começarão a terceirizar os recrutamentos para mitigar os riscos de responsabilização? Há muitas dúvidas e ainda poucas respostas.

Mas os problemas das áreas de DP ou RH não terminam aí, no recrutamento. Isso porque com a boa notícia de aprovação no processo seletivo dada ao candidato, os profissionais de DP ou RH passam a ter outros pontos de atenção. O foco, agora, é no tratamento dos dados pessoais de seus colaboradores e, até mesmo, dos seus filhos e companheiros.

E nesse ponto, merece destaque que na grande maioria das vezes esses profissionais acessam dados pessoais de natureza sensível, tais como atestados médicos, ou mesmo dados de menores de idade, sobretudo para declarar seus dependentes.

Na primeira situação – dados sensíveis-, o ideal seria que tais informações acerca das condições de saúde dos empregados e seus dependentes permanecessem tão somente visíveis por aquelas pessoas indispensáveis para seu tratamento.

Por exemplo, um empregado que precisou se afastar por recomendação médica, deverá apresentar seu atestado médico para que a empresa possa abonar sua falta. O caminho mais adequado para tal informação seria a apresentação de um atestado completo, com a indicação da doença e seu prognóstico ao médico da empresa. Este profissional, por sua vez, emitiria novo atestado sem as informações sensíveis apenas para que os profissionais responsáveis pela emissão da folha de pagamento pudessem abonar as faltas apuradas.

Se a intenção for os descontos de coparticipação decorrentes da utilização do plano de saúde empresarial, desnecessário que a especialidade da consulta, ou o procedimento utilizado, sejam informados ao empregador. Por que não repassar ao empregador – departamento responsável pela folha de pagamento – apenas os valores que deverão ser descontados e repassados ao plano de saúde? Ao empregado, sim, deve ser enviado o descritivo da utilização do plano.

Já com relação aos atestados médicos de saúde ocupacional impostos por normas regulamentadoras editadas pelo antigo Ministério do Trabalho, deverão estes ser mantidos pelo empregador, inclusive para apresentação aos ‘auditores fiscais do trabalho’ quando solicitado.

No entanto, nestes documentos será indispensável a indicação da existência de riscos ocupacionais e a aptidão ou inaptidão do empregado. Os demais exames médicos complementares eventualmente necessários ou relatórios médicos deverão permanecer na posse do médico responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).

Outro aspecto merecedor de atenção refere-se às informações sobre as crianças que, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são aqueles que contam com até 12 anos incompletos de idade. Normalmente torna-se necessário o fornecimento de tais dados para que o empregado possa estender o benefício do plano de saúde aos filhos, além de acessar benefícios dados pelo governo federal, tais como Bolsa Família.

Uma vez indispensável o fornecimento de tais dados pelo empregado, quais serão as cautelas necessárias para os profissionais de DP e RH efetuarem tais tratamentos?

Ressalte-se que neste caso será obrigatória a obtenção do consentimento específico e de forma destacada concedido, ao menos, por um dos pais ou responsável legal pelo menor para o tratamento desses dados.

Estes são apenas alguns exemplos corriqueiros que demandam atenção especial dos profissionais responsáveis pelo pessoal da empresa alocados em setores de DP ou RH.

Mas a preocupação não para por aqui. Não basta a análise acima sobre os dados pessoais: é importante destacar a necessidade de se mapear em quais locais ou plataformas tais dados serão inseridos, quais os profissionais que os acessarão e os mecanismos de segurança a serem adotados.

Mas isso já é tema para outro artigo, embora sejam pontos que também deverão ser avaliados de perto por aqueles que pretenderão estar em conformidade com a tão falada e necessária LGPD.

*Mariana Machado Pedroso é especialista em Direito e Processo do Trabalho e sócia responsável pela área Trabalhista do Chenut Oliveira Santiago Advogados

 

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