Por Renato de Mello Almada*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Quando se fala em pensão alimentícia é comum ouvir que sua fixação corresponde a 30% do valor líquido do salário ou rendimento da pessoa obrigada a pagar os alimentos. Contudo, inexiste lei que determine a obrigatoriedade de fixação dos alimentos na porcentagem correspondente a 30% dos rendimentos do alimentante. Na verdade, essa porcentagem é reflexo de inúmeras decisões judiciais proferidas ao longo dos anos, tendo por base valores que magistrados entenderam por adequados para fixação da obrigação alimentar.
Para muitos juízes, essa porcentagem corresponde ao valor mínimo aproximado que os genitores despendem para fazer frente aos gastos dos filhos mesmo quando o convívio familiar não sofreu qualquer tipo de ruptura. Daí a razão dessa porcentagem se constituir para muitos como verdadeira base de orientação para fixação do valor a ser pago a título de alimentos, o que gera a expectativa nos envolvidos em um processo de alimentos, de que o valor de uma possível condenação será sempre correspondente a 30% dos ganhos auferidos pelo genitor ao qual são solicitados os alimentos.
Mas, na realidade, para fixação do valor dos alimentos, deve o juiz respeitar o trinômio necessidade – possibilidade – razoabilidade. Essa é a “conta” que deve ser feita para se chegar ao valor dos alimentos a serem pagos, o que pode corresponder a 30%, 20%, 15% ou até mesmo porcentagens menores, bem assim em valores fixos que não guardem necessariamente relação de porcentagem com os rendimentos do obrigado a prestar alimentos.
Portanto, em matéria de alimentos, vale a máxima de que o juiz deve analisar caso a caso, considerando suas peculiaridades, auferindo a necessidade daquele que solicita os alimentos (alimentado) e as possibilidades financeiras daquele obrigado a prestar os alimentos (alimentante). Da análise desses elementos, deve o juiz, com razoabilidade, fixar o valor dos alimentos, de maneira que as necessidades básicas do alimentado sejam supridas, observando-se, de outro lado, que a capacidade financeira do alimentante tenha condições de suprir tais necessidades, sem que isso prejudique sua própria manutenção pessoal e de sua família.
Essas são as regras básicas que devem ser levadas em consideração na fixação do valor dos alimentos, o que, convenhamos, não é tarefa simples, ainda mais quando os alimentos são devidos aos filhos, cujas necessidades se presumem, devendo o genitor alimentante (pai ou mãe) buscar manter o padrão social do filho sem alterações ao do que era vivido pela família antes de sua ruptura, no caso de separação ou divórcio.
Portanto, dizer que o entendimento de que os alimentos são sempre fixados em 30% dos rendimentos do alimentante se constitui em mito.
Mas o mito pode se tornar verdade! A novidade que agora surge em relação à matéria é o quanto disposto no Projeto de Lei 420/22, de autoria do deputado José Nelto (PODE-GO), que visa estabelecer o piso remuneratório para pagamento de pensão alimentícia.
O PL prevê que a pensão alimentícia será de, no mínimo, 30% do salário-mínimo vigente, na atualidade correspondente ao valor de R$363,60, cabendo ao juiz analisar as “exceções”. Tem-se por exceções, de acordo com o Art. 3º do citado Projeto de Lei, as situações em que o “mínimo estabelecido ultrapassar 30% do valor da remuneração do alimentante.”
Consta da justificativa apresentada que “o presente projeto tem como intuito estabelecer um valor predeterminado para ser a base do cálculo inicial da pensão alimentícia, onde caberá exceções sob responsabilidade e análise do magistrado correspondente. Entende-se por exceções, os casos em que o alimentante não possuir condições financeiras comprovadas para arcar com o piso salarial intitulado ao pagamento da pensão alimentícia”.
Ainda segundo a justificativa apresentada, “não é razoável admitir que a criança ou o dependente dos alimentos sobreviva com valor inferior à 30% do salário-mínimo.” Daí a razão da fixação dessa porcentagem.
Dessa forma, de certa maneira, o que era mito passará a ser verdade!
Não resta dúvida das boas intenções do nobre parlamentar, cuja preocupação se baseia justamente na falta de previsão legal de um valor mínimo que sirva de ponto de partida para fixação dos alimentos.
Porém, também aqui, a questão não nos parece simples.
Será que uma lei que estabeleça um valor mínimo para fixação de alimentos traria a segurança e justiça que o PL apresentado espera alcançar? Temos dúvidas!
Nem sempre será fácil o alimentante provar a sua impossibilidade em arcar com o mínimo de 30% do salário-mínimo, levando-se em consideração que grande parcela da população brasileira sobrevive da informalidade.
É evidente que para a população de baixa renda isso poderá se tornar um problema de difícil solução, acarretando, inclusive, um aumento ainda maior no descumprimento da obrigação alimentar, o que gerará maior volume de decretações de prisões, aumentando a população carcerária e daí por diante.
Igualmente, temos que também lembrar da situação daqueles que recebem um valor ínfimo na “carteira” e um valor maior “por fora”. Nessa hipótese ele se beneficiará em detrimento daquele que necessita dos alimentos e não os receberá em valor justo e proporcional ao real ganho do alimentante.
Já para a população de maior renda, a previsão desse mínimo legal tende a ser inócua, uma vez que evidentemente esse valor não atenderia de forma alguma a expectativa de fazer frente aos gastos com as necessidades dos alimentados.
A matemática a ser aplicada nesses casos não é ciência exata. É necessária a aferição das condições das partes, suas necessidades e possibilidades, e grande porção de sensibilidade do juiz em apurar, dentro da razoabilidade, o valor que se mostra justo e possível.
E mesmo com todos esses cuidados a conta nem sempre fecha, ainda mais em um momento de total instabilidade financeira do país, em que quase todas as pessoas estão sofrendo perdas ou elevadas diminuições de seus ganhos.
Certamente, o tema merece um debate mais aprofundado, gerando reflexões que tragam o resultado esperado.
*Renato de Mello Almada, especialista em Direito de Família, é sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados