Por Anne Caroline Wendler
Foi promulgada em 15 de julho, pelo Congresso Nacional, a Emenda Constitucional 125/2022, decorrente da PEC da Relevância 10/2017, que cria o novo requisito de admissibilidade do Recurso Especial: a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional.
Com a Emenda Constitucional, o STJ poderá recusar o julgamento de recursos especiais pelo voto de dois terços do órgão competente, com base na ausência de relevância de questão federal do caso.
Esse requisito se assemelha ao da repercussão geral exigida pelo STF nos recursos extraordinários. Inclusive, foi a inspiração da PEC de Relevância para a redução de recursos que chegam ao STJ, conforme justificativa de motivos da proposta inicial da Emenda, quando a então deputada Rose de Freitas, autora da Proposta, pontuou que, no exercício da competência do STJ para julgar os recursos especiais, “soerguem-se problemas de congestionamento similares aos que suscitaram estabelecer, no âmbito dos recursos extraordinários (competência do Supremo Tribunal Federal), a introdução do requisito da repercussão geral à sua admissibilidade”.
Segundo a hoje senadora Rose de Freitas, a introdução do requisito da repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário levou a uma diminuição radical do número de processos distribuídos àquela Corte e que da mesma forma, a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional como requisito para a admissibilidade do RESP contribuiria para a redução dos processos
Sobre o histórico da tramitação da Proposta da Emenda Constitucional (PEC), esta foi apresentada na Câmara dos Deputados em 23 de agosto de 2012, identificada como PEC 209/2012, com a proposta inicial de apenas acrescentar um parágrafo ao artigo 105 da Constituição: “§ 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.”
A PEC 209/2012 foi remetida ao Senado Federal, pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, em 21 de março de 2017, com novo número – PEC 10/2017 -, em razão da inclusão de algumas emendas na proposta recebida da Câmara.
Muito embora sem apresentação de pesquisas e estudos, já na oportunidade se afirmava que a expectativa do STJ era de que o filtro de relevância diminuísse em 50% o volume de recursos que chegam ao Tribunal.
Sobre a complementação da proposta de emenda, no Senado entendeu-se necessário que o Constituinte reformador já definisse objetivamente no texto constitucional algumas hipóteses de presunção de relevância do recurso especial, a saber: i)nas ações penais; ii) nas ações de improbidade administrativa; iii) nas ações cujo valor de causa ultrapassasse quinhentos salários mínimos; iv) nas ações que pudessem gerar inelegibilidade) nas hipóteses em que o acórdão recorrido contrariasse jurisprudência dominante do STJ. Tais presunções vieram a ser aprovadas pela Câmara posteriormente, o que ensejou na promulgação da EC nº 125/2022.
Além disso, considerando a necessidade do texto constitucional abrir margem para outras hipóteses a serem previstas em lei para viabilizar a correta calibragem posterior do filtro recursal, o Senado também incluiu o inciso vi), que prevê “outras hipóteses previstas em lei.”
Na exposição dos motivos, para a inclusão de hipóteses de presunção de relevância, o Senado consignou que: “Há fortes razões para o estabelecimento das presunções de relevância. Algumas das hipóteses mencionadas tratam de direitos fundamentais, como o direito à liberdade e os direitos políticos, questões que entendemos não devem ser impedidas de chegar ao exame do STJ. No caso do valor de alçada proposto, é estabelecida uma presunção de relevância econômica para a análise dos recursos especiais, medida coerente com a proposta de filtro idealizada. Ao prever a presunção de relevância nas hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, busca-se manter no recurso especial a função uniformizadora da jurisprudência nacional por parte do STJ.”
Referido substitutivo (emenda à proposta inicialmente apresentada) aprovada no Senado, retornou para votação na Câmara dos Deputados, a qual, em 13 de julho de 2022, aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 10/2017, cuja promulgação ocorreu em 15 e julho de 2022, nos seguintes termos:
1º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo não o conhecer por esse motivo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.
2º Haverá a relevância de que trata o §1º nos seguintes casos:
I – ações penais;
II – ações de improbidade administrativa;
III – ações cujo valor de causa ultrapasse quinhentos salários mínimos;
IV – ações que possam gerar inelegibilidade;
V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça;
VI – outras hipóteses previstas em lei.
Muitas críticas vêm sendo feitas em relação aos termos da Emenda Constitucional 125/2022. Critica-se o fato de que foi incluída presunção de relevância da questão federal em causas penais, ações de improbidade administrativa e ações que possam gerar inelegibilidade, mas os direitos difusos e coletivos não foram lembrados pelo Constituinte.
Quanto à presunção de relevância na hipótese do acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ, vem se questionando o conceito de “jurisprudência dominante”, se seria um critério quantitativo (vários julgados) ou qualitativo (uma decisão da Corte Especial). Fato é que caberá ao procurador demonstrar que se está diante de jurisprudência dominante, para fins deste inciso. Há ainda que se verificar como irá se compatibilizar referida hipótese com o agravo interno, cabível de decisão que contraria tema de recurso repetitivo, previsto no Código de Processo Civil.
A presunção de relevância nas ações cujo valor de causa ultrapasse 500 salários mínimos, por se tratar de um critério meramente econômico, vem sendo o inciso mais criticado. Durante a tramitação da PEC, houve várias propostas de estabelecimento de valor de alçada para autorizar a subida do Recurso Especial. Quando a PEC iniciou na Câmara, se sugeriu o estabelecimento de uma presunção negativa — de que não haveria relevância de questão federal se a causa não fosse superior a 200 salários mínimos. Após remessa da PEC ao Senado, optou-se por adicionar uma presunção positiva. Isto é, uma presunção de relevância, que não obstou o ingresso dos que litigam em causas menores. Todavia, para as causas de menor valor, caberá o esforço do advogado demonstrar a relevância da questão de direito federal infraconstitucional do caso.
A controvérsia da vigência da EC 125/2022, uma vez que a Emenda consignou que a relevância será exigida nos recursos após a entrada em vigor da Emenda, torna a situação ainda mais complexa.
Caso se considere a aplicação da EC desde já, sem lei que regulamente o funcionamento do novo filtro de admissibilidade, assim como defina e/ou indique outras hipóteses de presunção de relevância, a demonstração de relevância de direito federal infraconstitucional ficará a cargo da interpretação de cada um.
Considerando as lacunas procedimentais e antinomias sobre o início da aplicação da relevância da questão de direito federal, o que será resolvido apenas com a lei regulamentadora e a própria jurisprudência, sugere-se que o advogado demonstre desde já — na preliminar do recurso — a relevância da questão de direito infraconstitucional do caso.
*Anne Caroline Wendler é advogada e sócia no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica