Por Thiago Felix Rezende*
Uma mudança na redação do art. 921 do Código de Processo Civil (“CPC”), decorrente da Lei 14.195/2021, pode estar colocando as execuções e os cumprimentos de sentença no Brasil em uma encruzilhada crítica.
Temos o risco iminente de que possam ser extintos, a partir de 2026, todos os processos estagnados e lastreados em dívidas baseadas em instrumentos públicos ou particulares, ou sem a localização de bens penhoráveis. Isso trará um impacto significativo no volume de execuções e cumprimentos de sentença no país.
Toda a questão gira em torno da prescrição intercorrente, que assegura que os credores não possam manter indefinidamente a cobrança sobre os devedores, enquanto permanecem inertes durante o processo. Em termos mais simples, ela impõe um prazo para que o credor tome as medidas necessárias para a continuidade do processo e a satisfação de seu crédito. Caso ele não o faça, pode perder o direito de continuar exigindo judicialmente o pagamento. Dessa forma, o Poder Judiciário resguarda os devedores contra ações intermináveis e elimina processos pouco ou nada efetivos.
A prescrição intercorrente visa equilibrar o sistema jurídico, garantindo que as ações judiciais sejam mantidas ativas e que as partes envolvidas, especialmente os credores, não se beneficiem indevidamente de sua inércia.
O que ocorre agora é que, embora a alteração no Código Civil traga maior clareza quanto ao início da prescrição intercorrente — que passa a ser a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis —, observa-se um enrijecimento nas hipóteses de interrupção do prazo prescricional.
Após a alteração legislativa, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o novo regime prescricional não retroage e os novos marcos temporais passaram a valer apenas a partir da data de publicação da lei, preservando os princípios da segurança jurídica e da boa-fé processual.
Para ilustrar os impactos potenciais desta medida, é importante observar os dados disponíveis no Painel de Estatísticas do Poder Judiciário, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Até 30 de junho, verificamos que existem mais de 7 milhões de execuções judiciais pendentes de julgamento na Justiça Estadual. Colocando em perspectiva, isso representa pouco mais de três processos para cada 100 brasileiros. Além disso, muitos desses processos ainda não concluídos estão ativos há mais de três anos.
Desta forma, dado o elevado número de processos e o extenso período desde a distribuição da maioria das execuções, é razoável prever que, com a aproximação do ano de 2026, muitos deles poderão ser extintos sem que os créditos executados tenham sido satisfeitos.
Ainda que o futuro seja incerto, é inegável que estamos entrando em um período delicado no que diz respeito à cobrança de dívidas judiciais. A prescrição intercorrente representará um grande desafio para credores, devedores e advogados, que precisarão atuar com diligência para assegurar que seus direitos sejam preservados.
Em resumo, embora a alteração trazida pela Lei 14.195/2021 seja necessária para proporcionar maior clareza, ela também cria um cenário desafiador. Advogados e partes precisam estar preparados para enfrentar os efeitos dessa mudança, evitando a extinção de processos ou a cobrança de valores indevidos. O tempo está passando e uma atuação proativa será essencial nos próximos anos.
*Thiago Felix Rezende é advogado do escritório Marcos Martins Advogados, atuante na área de contencioso cível, arbitragem e insolvência, e pós-graduando em Direito Empresarial pelo Insper