Por José Ricardo dos Santos Luz Jr.*
Artigo publicado originalmente no Estadão
O Brasil deve buscar, sob o ponto de vista técnico e jurídico, os motivos pelos quais aceitará ou não a implantação da telecomunicação 5G com aparelhos da Huawei, ZTE, Nokia ou Ericsson, no leilão a ser promovido em 2021. Até porque isso é uma discussão que não envolve apenas essa inovação digital, mas certamente interferirá em outras esferas, como por exemplo, o comércio bilateral sino-brasileiro nos próximos anos, bem como as relações com os Estados Unidos.
Atualmente, as chinesas Huawei e ZTE, juntas, são as maiores fornecedoras de tecnologia 5G, com 40% do mercado mundial, seguidas da Nokia (17%) e Ericsson (14%), segundo William Barr, Procurador-Geral dos EUA.
Brasil e China são parceiros estratégicos globais. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a desenvolver o comércio bilateral com a China a ultrapassar a marca de US$ 100 bilhões em negócios, sendo o país asiático nosso maior parceiro comercial desde 2009. Importante ressaltar que China e Brasil são interdependentes e podem se beneficiar substancialmente dessa relação “ganha-ganha” e de benefícios mútuos, vez que essa cooperação de reciprocidade “sul-sul” é vista por ambos os países como uma relação estratégica de longo prazo, pacífica e sem histórico de guerras.
Vale dizer que a China tem como objetivo construir uma sociedade moderadamente próspera até 2049 – marco de 100 anos de existência do país, dentro de um contexto de aldeia global para todos usufruírem juntos de um futuro comum compartilhado, sendo certo que a telecomunicação 5G é um dos pilares da pauta de governo do presidente Xi Jinping para atingir esse objetivo.
Desde 2013, Xi Jinping tem desenvolvido a política do Cinturão e Rota, com a retomada da antiga Rota da Seda marítima e terrestre, para implementar diversos programas de desenvolvimento e investimento no exterior, mediante a assinatura de memorandos de entendimento, até março de 2020, com 138 países.
Uma de suas vertentes é o desenvolvimento da infraestrutura. Dada sua grande capacidade ociosa e vasto “know-how” na construção de portos, aeroportos, malha ferroviária e rodovias, a China pretende intensificar as relações no exterior através do desenvolvimento da infraestrutura, enorme gargalo, especialmente nos países em desenvolvimento.
Fora isso, a China também está ampliando a política do Cinturão e Rota no campo da Saúde, através da Diplomacia das Máscaras, que é a política de prover assistência no combate à crise do coronavírus, enviando suprimentos médicos e equipes de especialistas para regiões afetadas. Neste contexto, frise-se que a China produz um quinto dos respiradores mecânicos, 90% dos EPIS e 90% dos antibióticos em todo o mundo, tendo ajudado diversos países nessa luta.
Por fim, há também a questão da Política do Cinturão e Rota Digital, dividida em três vertentes: telecomunicação 5G, comércio eletrônico e cidades inteligentes. A telecomunicação 5G é o pano de fundo para a definição dessa nova geopolítica, tanto que a China investe 2% do seu PIB anualmente em inovação. E o Brasil tem que se concentrar nos interesses nacionais, em detrimento dos ideológicos. Ainda que o Brasil tenha tido um relacionamento com a China de US$ 100 bilhões em 2018 e 2019, e de US$ 57 bilhões e US$ 58 bilhões, no mesmo período, com os EUA, não devemos fechar as portas para nenhuma das duas nações.
Após a pandemia, a China poderá desenvolver e aprofundar a relação com o Brasil nas áreas agrícola, energia limpa, mineração, infraestrutura, comércio eletrônico, manufatura inteligente e telecomunicação, especialmente com ênfase na tecnologia 5G. O Brasil, que já tem cooperação pragmática na área de commodities, como soja, minério de ferro, petróleo, celulose e proteína animal, além da crescente no comércio eletrônico e na manufatura inteligente, poderá intensificar a parceria de investimento com a China na área de inovação e alta tecnologia.
O momento é de grande oportunidade, inclusive para discussão do Plano Decenal Brasil-China 2022-2031, que tem como objetivo intensificar e dar continuidade ao Plano Decenal Brasil-China 2012-2021, assinalando as áreas prioritárias e os projetos-chave em ciência, tecnologia e inovação, cooperação econômica, infraestrutura e intercâmbio entre os dois povos. É indiscutível o peso muito maior da Ásia e, especialmente, da China nos fluxos de comércio, investimentos e tecnologias mundiais. O Brasil precisa adotar essa visão global, pragmática e estratégica para o desenvolvimento doméstico interno.
Como dito na última reunião das duas sessões chinesas – termo referente às sessões plenárias anuais do Congresso Nacional do Povo, o mundo vive numa aldeia global e é hora de superarmos em conjunto as diferenças para promovermos a construção de um futuro compartilhado com toda a humanidade.
*José Ricardo dos Santos Luz Jr. é CEO do LIDE China e gerente Institucional do escritório BNZ Advogados. É Membro da Rede Brasileira de Estudos da China (RBChina). Pesquisador do Grupo de Estudos sobre os Brics da Faculdade de Direito da USP e do Grupo de Estudos de Cortes e Tribunais Internacionais da Faculdade de Direito da USP. Membro da Frente Nacional Brasil-China do Conselho Federal da OAB e membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB/SP