Por Nelson Wilians*
Artigo publicado originalmente na Folha
Se tivesse que escolher uma imagem para simbolizar o que pode ser 2022, escolheria sem nenhuma dúvida “O Grito”, do pintor norueguês Edvard Munch. As formas distorcidas e a expressão do personagem principal tornaram a pintura a “criptografia” do medo, da ansiedade, e, sobretudo, da dor.
Ainda que faça coro com os que dizem “nunca desperdiçar uma boa crise”, confesso que me vejo horrorizado ao estilo de Munch ao imaginar a crise se formando no horizonte do próximo ano.
A crise é a alegria momentânea de alguns e o desespero prolongado de muitos outros. Com ela, há os que lucram muito e os que perdem o pouco que têm. É o tipo de tragédia que não concede reconhecimento aos que sobreviveram. Em algum momento a conta encontra a todos.
Ainda que a pandemia já tenha arrefecido e a economia global cresça 4,5%, de acordo com projeções da OCDE para 2022, a recuperação continuará desigual, expondo os mercados avançados e emergentes a uma série de riscos. Para cada país os desafios serão diferentes.
Por aqui, a previsão será de tempo extremamente quente na política e na economia, com impacto social de grandes proporções.
Trata-se de um ano eleitoral em um cenário provável de inflação, alto índice de desemprego, estouro da meta fiscal e extrema polarização ideológica.
O resultado é um combinado de imprevisibilidade que pode ser ainda fermentado com o sobe e desce dos preços das commodities lá fora e, sobretudo, uma demanda abaixo do esperado da China e dos Estados Unidos, sem desconsiderar ainda a possibilidade de uma nova variante da Covid-19 e outra tragédia qualquer.
A catástrofe e a estagnação devem andar de mãos dadas, pois a história sugere que há uma grande chance de o Poder Executivo perder o seu já restrito apoio no Congresso — afinal, não há apego a um peru que morreu de véspera eleitoral. A aprovação de qualquer projeto será devidamente cozinhada em fogo brando.
Para as empresas a incerteza será a nova norma, tornando a gestão de riscos ainda mais crítica para a sobrevivência do que em qualquer outro momento. Mais do que nunca, os líderes empresariais precisarão de uma visão baseada em seu conhecimento e experiência para descobrir portas de saída e oportunidades.
Vale destacar que o investimento estrangeiro deve minguar. Liso e ensaboado, o investidor vai escorregar rapidamente para outros lugares, nem sempre mais rentáveis, porém mais sólidos jurídica e economicamente.
O ritmo da mudança tecnológica deve acelerar à medida que os benefícios potenciais futuros se tornam mais claros, redefinindo a própria natureza do negócio. Não há como retroceder. As empresas médias e pequenas terão imensa dificuldade por falta, obviamente, de capital.
Visitemos Mark Twain, para quem “algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes”, mas “descobrem sempre novos erros para cometer”. Seria esse o destino de nosso país: descobrir e cometer novos erros?
Diante desse quadro para 2022 — o abismo está logo aí.
Uma curiosidade sobre o quadro “O Grito”. Recentemente, especialistas confirmaram que a frase na parte superior do lado esquerdo da tela, a lápis, foi escrita pelo próprio Edvard Munch. A tradução é “Só pode ter sido pintado por um louco”. Tomara que essa seja a mesma tradução para o que escrevi aqui.