Volta às aulas: projeto de Lei que proibe uso dos celulares nas escolas levou 10 anos para ser sancionado e não pode levar mais 10 para ser cumprido
Advogada especialista no direito de crianças e adolescentes explica tudo o que muda na vida escolar com a nova lei
Fevereiro marca o retorno de 47,3 milhões de estudantes brasileiros às aulas, e agora com uma novidade: a maior parte deles não poderá usar o celular enquanto estiver na escola. A exceção está para os casos de necessidade para fins pedagógicos e de suporte tecnológico para inclusão de alunos com deficiência e para questões relacionadas à saúde, como aferição de glicemia para alunos com diabetes, por exemplo. A proibição está na Lei 15.100/25, sancionada pelo Presidente da República em 14 de janeiro deste ano. No entanto, será necessária fiscalização intensa para cumprimento da medida.
Quem explica é Marilia Golfieri Angella, advogada especialista no direito da criança e adolescente. “Este projeto de lei agora sancionado é de 2015. Foram precisos dez anos para regulamentar uma medida que há tempos já sabíamos que seria positiva para crianças e adolescentes, que é a restrição do uso no ambiente escolar. Não podemos esperar mais dez anos para que essa nova lei “pegue”, de modo que escola, família e Poder Público precisam convergir estratégias para a devida aplicação da medida”, aponta.
Embora o objetivo da medida seja o bem-estar das crianças e jovens, o assunto também levanta questionamentos sobre seu impacto nos direitos dos estudantes. Angellaexplica o que diz a lei, e qual o papel das escolas e famílias a partir de agora. “As escolas se tornam responsáveis pelos estudantes a partir do momento em que estes entram em suas dependências. Com o uso em massa de celulares pelas crianças, um pouco dessa responsabilidade foi perdida, já que o contato direto dos estudantes com seus responsáveis era imediato e poderia sobrepor à autoridade escolar em alguma situação de conflito, por exemplo. Agora será necessário que as escolas retomem seu papel nesse sentido garantindo, inclusive, o direito de crianças e adolescentes de terem um ambiente escolar livre de telas”, diz a advogada.
Outros pontos abordados pela nova Lei
A Constituição Federal diz que todos – escola, famílias e sociedade como um todo – são corresponsáveis pela proteção de crianças e adolescentes. Por isso, a advogada defende uma adaptação gradual, porém integral dos envolvidos. “As orientações da escola e da família devem estar alinhadas a partir de uma comunicação assertiva. Um bom ponto de partida me parece ser a proposição de palestras e rodas de conversa sobre o tema. É preciso que todos falem a mesma língua e que não haja orientações diversas para as crianças e adolescentes, evitando assim potenciais confusões. Isso vai garantir, também, que a fiscalização dentro das escolas seja mais fácil e menos ostensiva”, diz.
No entanto, a advogada lembra que há outras medidas para além da proibição do celular nas escolas quando se trata de preservar a saúde mental desses jovens e crianças. “A Lei prevê expressamente que as redes de ensino e as escolas deverão elaborar estratégias para tratar de temas relacionados à saúde mental de seus alunos, informando-lhes sobre os riscos, os sinais e a prevenção do sofrimento psíquico de crianças e adolescentes, incluídos o uso imoderado de celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis e o acesso a conteúdo impróprio”, destaca.
“Cada vez mais vemos um movimento legislativo para orientação direta de crianças e adolescentes a respeito de temas que sejam de seu interesse, com capacitação acerca de temas sensíveis. Acontece agora sobre o uso do celular e ocorreu com a prevenção de crimes sexuais e violências intrafamiliares, por exemplo. Embora algumas pessoas possam acreditar que crianças e adolescentes não tenham consciência sobre esses assuntos, a orientação psicossocial e que igualmente vem descrita expressamente em normas nacionais e internacionais, é que, respeitado seu estágio de desenvolvimento, a criança tem autonomia, capacidade e verdadeiramente um direito de receber informações que sejam necessárias para sua segurança. Por isso, entendo como salutar a medida indicada pela lei a fim de protegermos nossas crianças e adolescentes”, pontua Marília.
Por fim, a nova lei coloca expressamente que as escolas devem disponibilizar “espaços de escuta e de acolhimento para receberem estudantes ou funcionários que estejam em sofrimento psíquico e mental decorrentes principalmente do uso imoderado de telas e de nomofobia”, sendo necessária a divulgação e adaptação deste espaço dentro das instituições escolares do país, inclusive com informação clara sobre como acessar este serviço.