A 4ª Turma do STJ decidiu que, em sede de embargos à execução, é possível o executado contestar a eficácia e higidez de título executivo extrajudicial estrangeiro e arguir, nos embargos à execução, todas as matérias de defesa, inclusive compensação, cabendo à jurisdição brasileira ampla cognição a respeito das matérias discutidas nos autos, pouco importando se trate o credor de instituição financeira sob liquidação no exterior e de negócios firmados sob legislação panamenha.
O caso tem origem em execução de título de crédito promovida pelo FPB Bank, Inc., instituição financeira em liquidação no Panamá, após processo de intervenção determinada pelo Banco Central daquele país. Citada, a empresa executada, uma ex-correntista do banco, opôs embargos à execução arguindo diversas defesas processuais e de mérito, entre as quais a ineficácia do título executivo por falta de requisitos legais e a existência de fraudes contábeis ocorridas na instituição financeira, quando ainda era administrada pelo antigo acionista e gestor, que desviara – sem ordem e conhecimento do correntista – os recursos da executada então depositados na conta corrente do banco a um terceiro.
O juiz de primeira instância entendeu que a matéria deveria ser decidida no Panamá e, nesse sentido, não conheceu das defesas, “sob pena de invasão da soberania daquele País, a pretensão de imposição de decisão do Poder Judiciário Brasileiro sobre a disciplina dada pelas Instituições regularmente constituídas para definir o procedimento de Liquidação de suas instituições financeiras”. Em sede de apelação no TJSP, a sentença foi mantida em parte (por maioria), tendo a Corte Estadual entendido por bem suspender a execução por um ano, para que os temas controvertidos sobre desvios e compensação fossem decididos no Panamá, só após o que a execução poderia continuar por aqui.
Recurso no STJ
A empresa executada ingressou, então, com Recurso Especial ao STJ, arguindo a violação aos arts. 1º, 3º, 7º, 11, 13, 21, 24, 26, 27, 40, 42, 140, 223, 489, 507, 778, 783, 784, 914, 917, 960, 961, 965 e 1.022 do CPC e 9º, 12 e 17 da LINDB, e, amparado por parecer do ex-ministro do STF Cezar Peluso, sustentou o equívoco do acórdão do TJSP, pois o juízo brasileiro detém ampla cognição sobre a causa e, assim, pode apreciar os temas de defesa sem qualquer limitação, inclusive compensação, conquanto deva, se o caso, provar o direito estrangeiro.
Entre outras coisas, a minuta do recurso especial da recorrente (REsp nº 1.966.276/SP), salientou que “o exequente-recorrido, ao optar pela cobrança do título executivo estrangeiro no Brasil, deve acatar os procedimentos aqui previstos para defesa (in casu, embargos à execução etc.). A via executiva proposta com fulcro no art. 784, § 2º e 3º, do CPC, vincula, portanto, todas as partes do processo (inclusive o magistrado) quanto às previsões procedimentais contidas no Código de Processo Civil (art. 13, CPC), inclusive àquelas atinentes à forma de defesa do executado, tal como os embargos à execução, sem limitação em sua abrangência cognitiva (cf. art. 914 e 917 do CPC)”.
No STJ, como dito, a tese foi acatada, por unanimidade, pela 4ª Turma, no julgamento ocorrido no último dia 9 de abril (o acórdão foi publicado em 13/06/2024), tendo relator, ministro Raul Araújo (foto), em minucioso e fundamentado voto, observado que “os embargos à execução materializam o próprio contraditório e o princípio de acesso à justiça”, sendo certo que “a competência funcional absoluta mantém inequivocamente unidos e inseparáveis a execução e os embargos, atuando estes como verdadeira materialização do exercício do contraditório no sistema processual executivo brasileiro”. E mais: “a cisão da jurisdição aplicada pelo eg. Tribunal de origem, mantendo o processamento das medidas de excussão patrimonial sob a jurisdição brasileira e determinando a propositura dos embargos perante Juízo estrangeiro, não atende a absolutamente nenhum princípio, resultando, na prática, em esvaziamento da própria jurisdição nacional”.
Também se manifestou o ministro João Otávio de Noronha, cujo voto vencedor consignou que é “lógico que se pode alegar toda e qualquer matéria em embargos no Brasil”, pois, “ainda que a matéria seja estrangeira, ao optar pela jurisdição brasileira, o exequente transferiu ao juízo brasileiro a competência para apreciar tal matéria. Caso se pense de modo contrário, o que justifica a prova do direito estrangeiro diante de um tribunal? Se há prova de um direito estrangeiro, é exatamente porque aqui ele vai ser aplicado pelo juiz nacional, é evidente”.
Os processos no STJ estão sendo patrocinados pelos escritórios de advocacia: Antonio de Pádua Soubhie Nogueira – Advocacia e Trindade & Reis – Advogados Associados.
Foto: Emerson Leal/STJ