O Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da Medida Provisória 954, que previa o compartilhamento de dados de usuários de telefone com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para a produção de estatística oficial durante a pandemia do novo coronavírus. Por maioria de votos, em sessão realizada por videoconferência, nesta quinta-feira (7), foram referendadas medidas cautelares deferidas pela ministra Rosa Weber em cinco ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) para firmar o entendimento de que o compartilhamento viola o direito constitucional à intimidade, à vida privada e ao sigilo de dados.
Segundo o advogado Lucas Paglia, sócio da P&B Compliance, apesar da redundância para evitar esse uso de dados pessoais, o próprio IBGE já tem alguns dados coletados. “Os ministros reconheceram a importância de ter normas específicas para compartilhamento de dados. E também consideraram que a medida pode ser irreparável a longo prazo. Eles citaram, em seus votos, muito declaradamente, a importância de respeitar os princípios da LGPD – mesmo que ainda não esteja em vigor. A proteção de dados das pessoas é fundamental e a LGPD garante exatamente isso.”
Para Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira, coordenador da área de Cível do Rayes & Fagundes Advogados, o Supremo consagrou um dos pilares da proteção de dados pessoais, qual seja, o necessário atendimento ao princípio da finalidade. “Não havia dúvidas quanto ao caráter genérico da Medida Provisória 954 que, embora possa ter sido editada com o objetivo de auxiliar o governo na luta contra a Covid-19, pecou por não apresentar um plano concreto de salvaguarda dos dados pessoais de brasileiros. O voto da relatora das ações de inconstitucionalidade, ministra Rosa Weber, deve ser considerado como um marco para a proteção de dados de brasileiros. O direito à proteção de dados passou a ser considerado, em uma análise extensiva do Direito à Privacidade, como uma garantia fundamental do cidadão. O posicionamento adotado pelo STF é absolutamente salutar para o desenvolvimento e, enfim, a implantação efetiva da proteção de dados no Brasil. Com o revés perante a Suprema Corte, espera-se que o Poder Executivo passe a finalmente demonstrar interesse na implantação efetiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados – a ANPD – cuja existência poderia ter poupado o governo da derrota nas ações apresentadas pelos partidos da oposição”, disse.
Daniel Gerber, criminalista com foco em gestão de crises, compliance político e empresarial, diz que “sem dúvida, é acertada a decisão do Supremo. Os direitos constitucionais à intimidade e à vida privada não são disponíveis aos poderes públicos senão em casos excepcionais. Espera-se, contudo, que a mesma linha decisória seja adotada se forem contestados atos de autoridades estaduais que, por diferentes caminhos, também se mostram absolutamente desarrazoadas na medida em que violadoras de direitos tão fundamentais quanto os aqui analisados.”
Para Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha Marinho e Sales Advogados e conselheiro federal da OAB, “a decisão reafirma a garantia à valores importantes, consagrados constitucionalmente, como privacidade, intimidade e proteção de dados, especialmente pela abrangência da redação da Medida Provisória, carecedora de diretrizes, critérios e parâmetros para delimitar o compartilhamento dessas informações e a segurança cibernética nos procedimentos correlatos. O precedente é importante, pois considera que a excepcionalidade da pandemia não é apta, em si mesma, a justificar a flexibilização de todo e qualquer estatuto normativo, especialmente, nesse caso, quando ainda não estão vigentes as regras para responsabilização dos agentes que realizariam esse tipo de tratamento de dados pessoais, de acordo com a LGPD”.