Por Mariana Bissolli Cerqueira Cerezer*
Em 03/08/2022, nos autos do processo nº 1000058-68.2019.5.02.0024, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) conheceu do recurso de revista de ex-empregado quanto ao tema “intervalo intrajornada” e o proveu parcialmente, para determinar o pagamento da verba de forma integral no período posterior à reforma trabalhista (Lei 13.467/2017).
Analisando a ementa, temos que o TST aplicou ao caso o entendimento do art. 71, §4º, da CLT e súmula 437 do TST, ambos com redação anterior à alteração legislativa trazida pela reforma, sendo deferido o pagamento do período integral do intervalo intrajornada e reconhecida sua natureza salarial com reflexos nas demais verbas contratuais.
Ocorre que, após a reforma trabalhista, apenas é devido o pagamento do período suprimido de intervalo intrajornada, e não mais da hora cheia, e passou a ser reconhecida sua natureza indenizatória e, assim, a ausência de reflexos, ou seja, sem qualquer integração nas demais verbas contratuais.
O fundamento da Terceira Turma do TST é de que o contrato de trabalho se iniciou em momento anterior à vigência da reforma trabalhista, e, por tal razão, estaríamos diante de direito adquirido do trabalhador.
A questão que vem à tona é a discussão acerca da aplicação das alterações legislativas das normas de direito material trazidas pela reforma trabalhista aos contratos de trabalho que iniciaram antes de 11/11/2017, início da vigência da mencionada lei.
Sendo relevante o fato de a Terceira Turma do TST afastar sua aplicação com base no art. 6º da LINDB[1] (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro) e por contrariedade à Súmula 437, I, do TST.
Outro ponto comumente levantado para afastar a aplicação da nova legislação para os contratos já iniciados antes da vigência se refere à aplicação do princípio constitucional da segurança jurídica e irretroatividade da lei, previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal[2], às normas de direito material, como é o caso da alteração do intervalo intrajornada.
Por outra via, quem defende a aplicação imediata aos contratos de trabalho entende que as regras de direito material também seguem critérios de imediatidade e irretroatividade da nova lei, cite-se o art. 2.035 do Código Civil[3], porém, apesar de respeitarem atos jurídicos praticados sob a égide da lei antiga, o direito adquirido e a coisa julgada, os atos posteriores serão por ela pautados.
Há de ser analisada a eficácia intertemporal das normas de direito material com aplicação das normas vigentes no momento da ocorrência do fato, não sendo dada à norma a retroação no tempo para extinguir direitos, sob pena de ofensa ao direito adquirido, agora com interpretação sob outro viés.
Isto porque não haveria que se falar em direito adquirido sobre lei, a qual pode vir a ser modificada, justamente por tratar o pacto laboral de trato sucessivo, no qual os deveres e obrigações continuamente se renovam.
O que permitiria concluir que, quanto às relações de trabalho iniciadas na vigência da lei anterior, aplicar-se-ia a legislação antiga até a data de 10/11/2017 e a lei nova a partir de 11/11/2017.
Tal foi a interpretação da Sexta Turma do TST, ao julgar os autos do processo nº 0010124-52.2020.5.03.0060, que limitou a condenação ao intervalo da mulher (art. 384 da CLT) à entrada em vigor da referida lei, porque expressamente revogado por ela.
Retomando ao caso em discussão, poderíamos afirmar que a forma de pagamento de horas de intervalo intrajornada deveria ser alterada após 11/11/2017, para limitar-se aos minutos não usufruídos e mediante sua indenização.
Por fim, trata-se de uma discussão que vale a pena acompanharmos por não ser pacífica em nossos Tribunais e diante da relevância econômica que ela envolve.
*Mariana Bissolli Cerqueira Cerezer, advogada especialista da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados
[1]Art. 6º – A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
[2] Art. 5º, XXXVI – A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
[3]Art. 2.035. – A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.