A chegada das plataformas digitais de trabalho, como Uber e Amazon Mechanical Turk, está transformando as relações de trabalho e desafiando os modelos tradicionais de regulação. A advogada Dra. Marcela Bocayuva destaca que, diante da “gig economy”, surgem inúmeras questões jurídicas e sociais que precisam de respostas adaptadas ao novo cenário.
Desde o lançamento do serviço Amazon Mechanical Turk, em 2005, pela Amazon, o conceito de “crowdwork” – em que uma multidão de trabalhadores realiza tarefas de forma remota e descentralizada – se consolidou em escala global. Essa forma de trabalho levanta dúvidas sobre a aplicação das leis, já que as tarefas são realizadas em qualquer lugar do mundo. “Quem regula o trabalho de uma pessoa que presta serviços para múltiplos contratantes, em locais distintos, e sem vínculo direto com as empresas que consomem esses serviços?” questiona a advogada, apontando para a ausência de um arcabouço jurídico específico para esse tipo de relação.
Além do “crowdwork”, um modelo mais presente no cotidiano das grandes cidades é o trabalho “on demand”, de plataformas como Uber, que conecta trabalhadores a consumidores para serviços locais, como transporte e entregas. Nesse caso, há maior facilidade de aplicação de leis, pois o local de prestação do serviço é conhecido. No entanto, as dificuldades não são eliminadas. “Apesar de se saber onde o serviço ocorre, ainda é complicado definir quem deve regulamentar esses trabalhadores e quais direitos devem ser assegurados”, acrescenta a Dra. Marcela Bocayuva.
A advogada aponta que a “plataformização do trabalho” é um fenômeno mundial, com o Brasil como um dos países de crescimento mais acelerado nesse setor. Um relatório da Mastercard/Kaiser Associates estima que, de 2018 a 2023, o setor teria crescido de US$ 204 bilhões para US$ 455 bilhões. Em nível nacional, o IBGE estimou que 1,5 milhão de brasileiros prestam serviços por meio dessas plataformas, o que representa cerca de 1,7% da força de trabalho privada.
O debate jurídico e legislativo sobre o status desses trabalhadores é intenso e complexo. A Dra. Marcela Bocayuva ressalta que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem enfrentado dificuldades para decidir se esses trabalhadores se encaixam na definição tradicional de empregado. “A legislação trabalhista brasileira foi criada para atender a um modelo de trabalho da época da Revolução Industrial, com local e horário fixos”, explica a especialista. “Essas características simplesmente não se aplicam ao trabalhador de plataforma.”
O Supremo Tribunal Federal (STF) também discute o tema, abordando princípios constitucionais como livre iniciativa e concorrência. Além disso, vários projetos de lei propõem criar uma terceira categoria de trabalhadores – uma classificação entre empregados e autônomos –, o que permitiria flexibilizar direitos e obrigações de ambas as partes. Este ano, o governo apresentou um projeto classificando esses trabalhadores como autônomos, mas com direitos como jornada máxima de trabalho e salário mínimo. “É uma tentativa de equilibrar os direitos desses trabalhadores sem colocar as plataformas em situação de desvantagem competitiva. No entanto, isso ainda precisa ser analisado com cautela”, diz Bocayuva.
A especialista conclui que estabelecer uma regulamentação equilibrada é um grande desafio para o Judiciário e o Legislativo. “Precisamos considerar as especificidades de cada caso”, afirma. Para a Dra. Marcela Bocayuva, a tentativa de definir um padrão geral para todas as situações de trabalho em plataformas pode ser um erro. “Generalizar pode gerar injustiças e até mesmo distorções no mercado de trabalho. O importante é garantir que todos os envolvidos tenham direitos proporcionais e uma relação equilibrada com as plataformas.”
A discussão sobre o futuro dos trabalhadores de plataformas continua em aberto, e as decisões tomadas nos próximos anos serão cruciais para definir o equilíbrio entre inovação, competitividade e direitos trabalhistas.