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PEC dos Precatórios afronta Judiciário, avaliam advogados 

Para especialistas, proposta rompe com cenário de normalidade e abre chance de calote

16 de agosto de 2021

Luis Macedo / Câmara dos Deputados

O governo entregou na semana passada ao Congresso a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que muda os atuais critérios de pagamento de precatórios, adiando a quitação das dívidas da União com os credores que têm valores a receber superiores a R$ 60 milhões.

Pela proposta, precatórios de qualquer natureza passarão a ser corrigidos pela taxa Selic. Atualmente, os índices usados dependem da natureza do pagamento, e podem ser corrigidos tanto pela Selic quanto pelo IPCA +6%.

Ainda de acordo com o texto, precatórios de valor superior a R$ 66 milhões (1.000 vezes o pagamento considerado como de pequeno valor, para efeitos judiciais) poderão ser pagos em dez parcelas, com 15% à vista e o restante, em parcelas anuais. Outros pagamentos poderão ser parcelados se a soma total deles for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União. Nesse caso, o critério será pelo parcelamento dos precatórios de maior valor.

Ao LexLatin, advogados tributaristas e da área empresarial criticaram duramente a proposta.

José Roberto Cortez, especialista em Direito Empresarial, sócio fundador do Cortez Advogados, afirma que a União sempre, “por meio de recursos absolutamente procrastinatórios, tratou de inviabilizar o cumprimento da decisão sobre a matéria de fato e direito proferida nos Tribunais de segunda instância”. Segundo ele, por essa razão, há feitos ordinatórios de pagamento que tramitam no STJ há mais de 20 anos. “Com o acréscimo de juros e correção, hoje eles representam valores bilionários”, critica.

Na visão do advogado, a PEC agora apresentada, a par de “justificar de forma canhestra as razões de postergação do pagamento dos precatórios acima de R$60 milhões, traz um disciplinamento para a utilização dos referidos créditos”. “Tal utilização inequivocamente tem natureza jurídica de monetização desses valores”, explica Cortez. E questiona: “Sendo assim, por que não transformá-los em títulos da dívida pública, permitindo ao credor que faça deles o que bem entender?”

Já o tributarista Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza, de Brasília (DF), considera a PEC “uma proposta de calote, acompanhada da alteração no índice de correção das dívidas e criação de compensação forçada do precatório com débitos em nome do credor.” “Ao assim proceder, este governo mais uma vez afronta a autoridade do Judiciário, mais especificamente do STF, que, em diversas ocasiões, julgou inconstitucionais tais postergações irrazoáveis da dívida pública, bem como a imposição de compensação forçada e índices de correção e juros incompatíveis com os utilizados pelo próprio Poder Público no cálculo de seus créditos”, defende.

Ainda segundo Szelbracikowski, diferentemente de Estados e Municípios, que possuem parcelamentos vigentes até 2029 apenas como forma de operacionalizar a decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade de calote anterior, a União está há décadas em dia com o pagamento de seus precatórios e possui mecanismos legais de financiamento de sua dívida. “Além disso, já existe mecanismo para a União negociar diretamente com os credores formas especiais de pagamento de suas dívidas com descontos e parcelamentos. Trata-se da Lei 14.057/2020, que também seria afetada pela proposta do governo, que limita a possibilidade de acordo aos casos em que ‘não penda recurso ou defesa judicial’, desestimulando o encerramento de litígios que podem poupar bilhões de reais ao orçamento público”, explica.

O advogado entende, a exemplo de José Roberto Cortez, que, quanto mais tempo passa em função da apresentação de recursos ou defesas protelatórias da União, mais juros e correção monetária acrescem à conta. “Por fim, o conceito de ‘super precatório’ já existe, é razoável e foi inserido no texto constitucional após amplo debate no Congresso Nacional, com ampla participação da sociedade civil e da Ordem dos Advogados do Brasil: trata-se dos casos absolutamente excepcionais em que um precatório, sozinho, ultrapasse 15% do total de precatórios que serão pagos em um único exercício financeiro. Não é possível flexibilizar, a todo o tempo e a cada governo de plantão, esse conceito”, acrescenta Szelbracikowski.

“Em resumo, nada justifica essa proposta que vai romper com um cenário de normalidade no pagamento de precatórios da União, rolar a dívida para o futuro, criar um passivo impagável para as futuras gerações, pegar de surpresa os credores do Estado, violar direitos e garantias individuais e criar absoluta insegurança no ambiente de negócios já fortemente abalado pela pandemia”, conclui.

Na mesma linha, Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT), avalia a PEC como ruim. “Só não é inédita. Se considerarmos a atual Constituição Federal, os precatórios já foram divididos em 8 vezes, em 12 vezes, de acordo com a receita do devedor e agora em 10 vezes novamente. Cada vez que esse tipo de norma é reeditada, ofende a coisa julgada, a segurança jurídica e a responsabilidade fiscal. Deixar de pagar o que se deve é coisa que nem os milicianos ousam fazer no dia a dia. No mundo deles esse descumprimento tem pena severa”, finaliza.

Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

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