A administradora de empresas Jeniffer Castro, que ficou famosa nas redes sociais, irá ingressar com ação na Justiça contra a mulher que a filmou durante um voo. Jeniffer, que estava próxima à janela, se negou a ceder seu assento a uma criança. O vídeo, gravado sem a autorização da jovem, ganhou grande repercussão nos últimos dias.
Advogados especializados em Direito do Consumidor dizem que nenhum passageiro é obrigado a trocar de lugar.
“Primeiramente, é importante lembrar que não há nenhuma obrigação legal que force uma pessoa a ceder seu assento a uma criança. Então a passageira que se recusou não violou nenhuma regra direta”, diz Henrique Arzabe, consumerista do Arzabe Sociedade de Advogados.
Segundo Arzabe, se a discussão foi mais longe ou envolveu ofensas, surgem questões relacionadas à injúria ou difamação. “Tudo depende do contexto. O incidente pode gerar algo mais grave no âmbito jurídico a depender de uma escalada maior nos acontecimentos. Outro ponto é que a mulher que foi filmada pode dizer que teve sua privacidade violada, já que foi gravada e exposta sem permissão. Isso pode gerar uma ação por danos morais, principalmente se o vídeo foi divulgado nas redes sociais e causou repercussões negativas para ela, a exemplo de linchamentos virtuais tão comuns hoje em dia”, complementa.
Jeniffer também pode alegar que a divulgação do vídeo trouxe prejuízos à sua imagem pública. Em casos assim, o argumento principal em juízo costuma ser de que a gravação foi feita sem necessidade ou sem contexto que justificasse a exposição.
“Além disso, a companhia aérea pode ser responsabilizada. Especialmente porque é papel dela garantir que todos os passageiros tenham uma boa experiência de voo. Se a tripulação foi acionada e não tentou resolver o problema, isso pode ser visto como uma falha no serviço. Normas da ANAC pedem que as companhias ajam em situações de conflito a bordo. Se a empresa tivesse políticas mais claras sobre como lidar com casos como esse, talvez o desdobramento fosse diferente. No mínimo, cabe a elas mediarem situações que possam gerar desconforto entre os passageiros”, explica.
“Por fim, não existe nenhuma norma que obrigue os passageiros a trocar de assento só porque há uma criança envolvida. Normalmente, essas trocas são feitas com base em bom senso ou mediante um pedido da tripulação. A ANAC orienta que a equipe do avião garanta o conforto e a segurança dos passageiros, mas situações como essa dependem mais de acordos informais. Trocas de assento podem ser obrigatórias em casos de segurança ou necessidades especiais, como pessoas com mobilidade reduzida. Entretanto, fora isso, é uma questão de cooperação entre os passageiros. Sempre deve prevalecer o bom senso”, conclui Arzabe.
Esferas penal e civil
Já Bruna Brossa, consumerista do Brossa & Nogueira Advogadas, diz que “as implicações jurídicas desse episódio podem ser tanto na esfera penal quanto na esfera civil”. “Na esfera penal, é necessário apurar a convivência de todas as ofensas que foram conferidas, e nós esbarraríamos aí num crime contra a honra, justamente com a situação que está no Código Penal, com ações de natureza privada. Então, a gente realmente estaria aí, eu acho, numa difamação, porque justamente o fato atribuído à vítima não é de um crime. Então, a difamação é um crime contra a honra, que consiste em divulgar informações falsas ou distorcidas sobre alguém, com o objetivo de prejudicar a sua reputação e imagem, que é justamente o que pode ser extraído do vídeo”, analisa.
Com relação à passageira filmada, de acordo com Bruna, ela pode pedir uma indenização por danos morais e alegar justamente que sua imagem foi difundida pelo Brasil inteiro, “uma situação extremamente distorcida, com o intento de macular sua imagem, muito embora ela não estivesse errada no episódio”.
“Já sobre a responsabilização da companhia, a partir do momento que a passageira é uma consumidora, ela está em uma relação de consumo junto com a companhia aérea. A gente vê que os comissários de bordo, ao que tudo indica, não tomam nenhuma atitude para tentar mitigar o ocorrido. É possível também se insurgir contra a companhia aérea, na medida que ela deixa o consumidor totalmente desprotegido e teria meios de tentar mitigar o ocorrido. Existem normas realmente que preveem a troca de assentos em determinadas circunstâncias. Contudo, a gente não consegue verificá-la nessa situação em específico. Por quê? As regras da ANAC, elas são muito claras”, comenta.
Trocar de assento em voos não é obrigatório, a não ser em exceções raras e pré-estabelecidas. Via de regra, essas exceções estão ligadas à segurança do voo ou ao cumprimento de regra específica.
“A regulamentação da ANAC prevê que passageiros com menos de 16 anos devem estar acompanhados ao menos de um adulto responsável durante o voo, mesmo que não tenha essa marcação com antecedência do assento. Contudo, isso não significa que o passageiro vai escolher onde ele vai, na janela, no corredor, podendo ser em qualquer poltrona do voo, desde que esteja lado a lado. Ao mesmo tempo, ainda que consensualmente, o passageiro não é obrigado a trocar de assento”, opina.
“Ou seja, é uma faculdade, uma situação que deve ser utilizada o bom senso e a mediação, principalmente em situações que ele pagou a reserva naquele determinado lugar. E, caso seja compulsório a troca, o passageiro, teoricamente, deveria ser indenizado por essa intercorrência”, finaliza.