O presidente Jair Bolsonaro publicou no último dia 25 de março a Medida Provisória 1.108/22, que regulamenta o teletrabalho, permitindo a adoção do modelo híbrido pelas empresas, com a prevalência do remoto sobre o presencial, ou vice-versa.
Para advogados consultados pela ConJur, o texto deixou várias lacunas que ainda precisam ser preenchidas.
Um ponto nebuloso do novo regramento diz respeito à responsabilização da empresa sobre acidentes relacionados ao desempenho das atividades laborais em home office. A coordenadora da área Trabalhista e COO do escritório SGMP Advogados, Ana Carolina Machado Lima, explica que, além da dificuldade relacionada às questões acidentárias, a MP 1.108 também não trata do reconhecimento de doenças ocupacionais dos trabalhadores que prestam serviço de forma remota.
“Cabe à empresa instruir o trabalhador sobre normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, porém, não há parâmetros na lei para estabelecer o limite dessa obrigação. Isso porque, além do local de trabalho ser uma escolha do empregado, não é possível ao empregador fiscalizar de forma efetiva o cumprimento das orientações”, pondera ela.
Segundo a advogada, essa lacuna na lei torna difícil averiguar de quem é a culpa em um caso de acidente ou doença ocupacional. Afinal, o empregador não instruiu o trabalhador de forma contundente e não fiscalizou o cumprimento das normas de saúde e segurança de forma efetiva, ou o trabalhador foi negligente e descumpriu as orientações recebidas? “Não parece razoável responsabilizar o empregador por situações que fogem ao seu controle. E não há na legislação nenhum parâmetro balizador”, aponta Ana Carolina.
Outro problema é como apontar a responsabilidade da empresa sobre um acidente de trabalho quando inexiste controle de jornada e é o trabalhador quem define o momento em que vai prestar suas atividades. “Esses são pontos que precisam ser destrinchados pelo legislador para que as partes tenham segurança jurídica em aplicar essa modalidade de contratação”.
Patricia Suzuki, sócia da área do contencioso estratégico do Nascimento e Mourão Advogados e especialista em Direito e Processo do Trabalho, acredita que, diante da ausência de previsão legal, as empresas devem ter cautela, investindo em medidas preventivas, como treinamento e fiscalização. Certamente, se restar configurado o nexo causal e a culpa do empregador, a empresa responderá pelos danos decorrentes do acidente de trabalho.
Carlos Eduardo Dantas Costa, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, por sua vez, sustenta que, ainda que não tenha sido tratada na MP a responsabilidade sobre acidentes de trabalho, esta continua sendo do empregador. “Já havia na reforma trabalhista uma disposição determinando que as empresas instruam ‘de maneira expressa e ostensiva’ os empregados quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho em teletrabalho”, afirma ele.
A MP 1.108 também não estabelece de forma clara se existe a obrigação das empresas para fornecer ajuda de custo para cobrir gastos como energia, internet e equipamentos, entre outros.
“Atualmente, o artigo 75-D da CLT determina que essa responsabilidade deve ser acordada entre as partes. Assim, salvo nos casos expressos em que o acordo coletivo prevê de forma contrária, caso as partes acordem que essa responsabilidade é do empregado, esse custo não pode ser repassado ao empregador”, explica Ana Carolina Machado Lima.
Sobre o pagamento de vale-refeição, Patricia Suzuki aponta que, caso não haja previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho, a recomendação é que a empresa forneça o benefício, uma vez que o trabalho será executado, ainda que de forma remota.