A Lei nº 13.994, que possibilita a conciliação virtual nos Juizados Especiais Cíveis, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro por conta da pandemia do coronavírus. A lei altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, conhecida como Lei dos Juizados Especiais.
Para Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha, Marinho e Sales Advogados e conselheiro federal da OAB, a alteração é um reforço ao design jurídico desse sistema que se orienta pela celeridade e solução mais apropriada de conflitos. “Igualmente, representa um incentivo aos sistemas de Online Dispute Resolution e reconhecimento ao potencial de inovação e aperfeiçoamento institucional que a tecnologia pode oferecer ao direito e aos sistemas de Justiça, asseguradas sempre as garantias constitucionais do devido processo legal e ampla defesa”.
Segundo Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira, coordenador da área de Cível do Rayes & Fagundes Advogados, os avanços da tecnologia e, em especial do setor de infraestrutura brasileiro, estão começando a impactar positivamente a resolução de disputas judiciais no Brasil. “O Judiciário brasileiro, que até cerca de 10 anos atrás funcionava de maneira quase que integralmente analógica, já se beneficia da agilidade dos sistemas eletrônicos de tramitação processual e, agora, com a promulgação da Lei 13.994/20, passará a estar ainda mais integrado à realidade virtual do mercado e cotidiano brasileiros”, avalia.
De acordo com o advogado, “não é difícil imaginar que as sessões virtuais de conciliação gerarão benefícios recíprocos a todos os envolvidos em disputas judiciais, seja pelo ganho de produtividade de membros do Poder Judiciário, pela diminuição do custo da atividade advocatícia, muitas vezes encarecida pela necessidade de o advogado se dirigir a comarcas distantes, ou pela diminuição do prazo de duração de processos”. Além disso, diz ele, a crise da pandemia evidenciou a necessidade de que o Poder Judiciário tenha alternativas àquela sistemática analógica de processamento de disputas judiciais. “Não há como negar que o legislador buscou preservar o intento conciliatório da atual sistemática processual civil brasileira, já que eventual recusa injustificada do demandado para participar da sessão poderá culminar em sua revelia. A medida, portanto, demonstra o ganho gradativo de espaço do ODR – online dispute resolution no mercado jurídico brasileiro, como instrumento fundamental para o desenvolvimento do sistema judiciário brasileiro. A modalidade, que vem sendo desenvolvida e implantada no mundo inteiro desde o fim da década de 90, terá nessa década, certamente, o seu ápice. Países como Canadá, Estados Unidos e China, por exemplo, já se valem da virtualização de audiências”, explica.
Segundo a advogada Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados, há uma questão muito delicada na alteração da lei que não deixa clara a situação da parte e do advogado que não possuam recursos tecnológicos para essa audiência de conciliação. “Quando se diz ‘se o demandado não comparecer’ à tentativa de conciliação, o juiz proferirá a sentença, não se está considerando a falta de recursos da parte ou do seu advogado para a concretização do ato de forma virtual. Ou seja, não considerar a circunstância da efetiva impossibilidade técnica de participação na audiência pode ensejar o descumprimento do princípio do devido processo legal e do contraditório. Evidentemente que, se bem regulamentada a questão no âmbito do Poder Judiciário, essa circunstância poderá ser preservada”, comenta a advogada.
“O CNJ na Resolução 314 trata, dentre outras, das medidas atinentes aos atos processuais à distância. Diz que a Justiça deverá procurar alternativas colaborativas para a implementação dessas medidas”, lembra ela.
Para a advogada Jessica Peress, do Departamento de Relações de Consumo do BNZ Advogados, a lei se adequa à atualidade em relação a pandemia, mas, principalmente, em relação ao avanço da tecnologia e a necessidade de se preparar para uma era cada vez mais digital. “A nova lei é resultado do que já encontramos em alguns Tribunais. Inclusive, já era possível a realização virtual em alguns estados, como no Paraná, em que foi criado o “Fórum de Conciliação Virtual” no ambiente do Projudi”, conta.
De acordo com ela, os pontos positivos são: celeridade dos processos, na medida em que poderão ser designadas mais audiência em um único dia; otimização do tempo das partes, que não precisarão se deslocar para a realização da audiência e audiências mais rápidas e práticas.
Porém, os pontos negativos, segundo Jessica, são: dificuldades para pessoas sem acesso a esses meios de tecnologia; falta de educação digital de parte da população e audiências de instrução e julgamento que não atendam às formalidades exigidas por lei, por exemplo, testemunhas sem comunicação durante seu depoimento.
O criminalista André Damiani, sócio-fundador do Damiani Sociedade de Advogados, entende que a lei significa evolução positiva para a legislação brasileira. “Aumenta a velocidade na tramitação dos processos e diminui os custos financeiros para as partes. Além disso, no cenário de pandemia do coronavírus, representa a melhor solução para o prosseguimento responsável dos ritos processuais”, analisa.
Andressa Barros, advogada, CEO do Fragata e Antunes Advogados, avalia que a lei é um marco “de extrema relevância para a sociedade” porque reforça a aceitação do Poder Judiciário em relação ao uso dos recursos tecnológicos para viabilizar melhor prestação jurisdicional. “Para as audiências de conciliação, em especial, não vislumbramos qualquer perda para as partes e a solução do litígio pode se dar de maneira ainda mais rápida e efetiva. Consequência saudável e perene neste momento tão complexo para todos”, conclui.
Para Daniel Gerber, criminalista que atua em gestão de crises, compliance político e empresarial, houve um grande avanço legislativo. “Sem dúvida esse andar também deverá repercutir em esfera penal, precisamente junto à audiência de conciliação entre as partes e de transação penal com o Ministério Público, pois através da tecnologia se preservam as garantias negociais e se imprime ritmo adequado aos processos que, na maioria das vezes, ficam estacionados em gabinetes por falta de pauta”.
A advogada Fernanda Zucare, especialista em Direito Civil, considera que a alteração é excelente. “Trará mais celeridade, produtividade, vai evitar desperdício de tempo das partes”, argumenta. “A utilização de recursos tecnológicos online é um caminho sem volta e necessário”, afirma ela.
Felipe Pacheco Borges, sócio institucional responsável pelas áreas de Contencioso Estratégico e Recuperação Judicial e Falências do Nelson Wilians e Advogados Associados, acrescenta que os Juizados Especiais Cíveis foram concebidos para conferir eficiência, celeridade e menos burocracia para as demandas menos complexas. “Assim, a alteração da Lei n.º 9.099/05, via Lei n.º 13.994/20, vai ao encontro das ideias norteadoras dos próprios Juizados, já que possibilita a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis”, explica. “Dessa forma, mesmo que as razões imediatas para tal alteração estejam embasadas na pandemia, as ferramentas remotas, como a videoconferência, já são uma realidade e dificilmente serão revertidas, motivo pelo qual são muito bem-vindas se bem utilizadas e adaptadas”, ressalta.
Juliana Akel Diniz, processualista e sócia do escritório Fidalgo Advogados, diz que a lei é uma atualização do procedimento dos Juizados Especiais, já há muito reclamada pela comunidade jurídica. “Houve a alteração da redação dos artigos 22 e 23, da Lei nº 9.099/95, ou seja, apenas a implementação do comparecimento virtual das partes às sessões conciliatórias, mas não a revogação do artigo 20, segundo o qual o não comparecimento implica em revelia. Melhor seria que as partes pudessem ser representadas por seus advogados, tal como ocorre no procedimento ordinário. De toda forma, já representa um importante avanço, que confere rendimento ao postulado constitucional da efetividade, inclusive no que tange à questão de custos e da instrumentalização de processos ajuizados, muitos deles apenas para punir a parte com a imposição de um deslocamento absolutamente desnecessário”, explica a advogada. Ela faz, no entanto, uma observação. “A nova redação do artigo 22, § 2º, da Lei 9.099/95, poderá ensejar o entendimento, por parte de alguns magistrados, de que a medida está condicionada à existência de recursos tecnológicos em cada comarca e, sabidamente, a maioria delas não possui aparelhagem para videoconferências. Espera-se que o argumento seja superado pelo fato de que os atos conciliatórios, rápidos e simples, poderão acontecer até mesmo via Skype”, diz.
Domingos Refinetti, sócio na área de Recuperação Judicial de WZ Advogados, avalia que a inovação “vem, seguramente, no bojo das medidas tendentes a habilitar o Poder Judiciário brasileiro a fazer frente à pandemia de COVID-19 e às medidas restritivas impostas pelo estado de calamidade pública em vigor”. Segundo ele, desde que preenchidos os requisitos, a recusa em participar de uma sessão remota de tentativa de conciliação enseja a mesma consequência anteriormente prevista para a ausência nas sessões presenciais: o encaminhamento do processo para a de prolação da respectiva sentença. “Ainda que sob circunstâncias extraordinárias, a implantação de sessões virtuais de tentativa de conciliação não deixa de ser um passo já aguardado e necessário para agilização das demandas judiciais, neste caso, em sede dos JEC´s, dado o avanço da tecnologia a permitir tal adequação. É evidente que, tratando-se de demandas de menor complexidade, em que as partes não necessariamente terão amplo, irrestrito e pronto acesso às modernas ferramentas de comunicação à distância, a aplicação dessas normas terá, forçosamente, que se conformar com determinadas situações concretas em que suas regras deverão ser mitigadas a fim de não penalizar justamente quem procura os JEC´s à mingua de recursos, sejam quais forem”, conclui.