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Lei de Cotas, 30 anos, ainda “não pegou” e especialistas tentam entender motivo

Segundo dados do Censo 2010, do IBGE, somente 4% da população brasileira com algum tipo de deficiência está empregada

A Lei de Cotas (Lei 8.213/91), que obriga empresas a reservar de 2% a 5% das suas vagas para pessoa com algum tipo de deficiência, completou 30 anos no último dia 24 de julho, mas ainda não conseguiu criar oportunidades para que todas as pessoas especiais sejam incluídas no mercado de trabalho.

Somente 4% da população brasileira com algum tipo de deficiência está empregada, segundo dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2018, cerca de 440 mil das 12 milhões de pessoas com deficiência estavam empregadas pela Lei de Cotas e existiam quase 400 mil vagas desocupadas.

A Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo produziu uma pesquisa, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021 com 8.485 pessoas com deficiência, que mostrou alta taxa de inaplicabilidade da Lei de Cotas.

Segundo os dados coletados, 15,29% dos entrevistados de 18 a 64 anos nunca ingressaram no mercado de trabalho, e desses, 49,04% disseram acreditar que foi por falta de oportunidade. Dos que ingressaram, 65,93% afirmaram ter passado por dificuldades para entrar no mercado de trabalho.

A dificuldade de ingresso mais relatada (19,99%) foi que os empregadores pareciam olhar antes para a deficiência do que para as habilidades. Outros 19,18% responderam que percebem que as empresas não oferecem plano de carreira para as pessoas com deficiência.

O que falta para a lei ser aplicada

Mais de 2 mil dos entrevistados na pesquisa da Secretaria disseram que a ampliação das oportunidades no mercado de trabalho, por meio de oferta de vagas compatíveis com o perfil profissional e a contratação de profissionais sem experiência, são essenciais para maior inclusão de pessoas com alguma deficiência.

Para cerca de 1.500 entrevistados, é preciso investir em garantias de apoio e tecnologias, buscando melhorar a acessibilidade nas empresas e fazer a adaptação de equipamentos.

Segundo especialistas ouvidos pela ConJur, as medidas afirmativas, como as cotas, embora necessárias, não serão efetivas se juntamente com a imposição legal não houver uma campanha educativa e de incentivo à criação de instrumentos de fomento à empregabilidade desse público.

Para o advogado Donne Pisco, sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados, o estado concentra esforços em fiscalizar e punir, em vez de dedicar-se à criação de um ambiente que estimule a ocupação de postos de trabalho por esse segmento de trabalhadores.

Paulo Woo Jin Lee, sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, responsável pela área trabalhista, afirmou que, mais do que a questão legal, a maior problemática que existe atualmente é de âmbito social e estrutural, pois parte das pessoas com deficiência não conseguem chegar ao mercado de trabalho pela ausência de qualificação, tendo em vista as dificuldades que enfrentam em um país sem estrutura para atender suas necessidades.

O advogado lembrou que algumas demandas administrativas e judiciais discutem se a ausência dos requisitos mínimos para o exercício da função é justificativa para as empresas não contratarem profissionais com deficiência, uma vez que parte dos Tribunais entende que a obrigação de fornecer preparo técnico não é atribuição exclusiva do Estado, mas também da iniciativa privada, em atendimento à função social da propriedade.

“A questão é delicada e extremamente complexa, mas se o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil não se unirem para fomentar de forma séria e consciente a valorização do ambiente de trabalho para as pessoas com deficiência, com a promoção da responsabilidade social e adoção de políticas efetivas de inclusão, nunca alcançaremos a harmonia social e a plena efetivação dos direitos fundamentais necessários para construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, concluiu.

Importância e fiscalização

Um estudo feito pelo Instituto Jô Clemente (IJC), organização da sociedade civil que apoia a inclusão social de pessoas com deficiência intelectual, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), revelou que as pessoas com deficiência, principalmente intelectual, têm importante desenvolvimento quando incluídas no mercado de trabalho.

“Há um aumento na autoestima e no sentimento de utilidade, participação social e contribuição financeira para a família que as leva a novas conquistas no âmbito pessoal”, disse Márcia Pessoa, orientadora de Inclusão Profissional do IJC e autora do estudo. Outro aspecto positivo é que a taxa de retenção entre este público é de 90%.

Flavio Gonzalez, executivo de Negócios Sociais do IJC, considera “vergonhoso” que hoje, 30 anos depois, algumas empresas ainda descumpram a legislação, conforme afirmou durante seminário promovido pela Câmara Paulista para Inclusão da Pessoa com Deficiência.

“O primeiro desafio é sustentarmos essa lei, carregarmos ela para o futuro. Os ataques à lei de cotas são inúmeros. A partir do momento que se iniciou o processo de fiscalização, vários atores do Poder Público tentaram fazer mudanças, flexibilizações, porque é uma lei que incomoda setores, grupos que não querem, por uma questão de discriminação”, ressaltou.

Mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, o IJC incluiu 345 jovens e adultos em novos postos de trabalho em 2020. Desde 2013, quando implementou a metodologia do emprego apoiado, o Instituto já inseriu cerca de 2.800 pessoas com deficiência intelectual em mais de 50 empresas e órgãos públicos, por meio da Lei de Cotas.

A advogada Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito do Trabalho, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, explicou que a lei é de observância obrigatória e a fiscalização do seu cumprimento é feita pelos auditores fiscais do trabalho, que estão vinculados ao Ministério da Economia.

“Vale lembrar que as empresas que não cumprem essa determinação legal podem ser autuadas pela inspeção do trabalho, tendo que pagar uma multa administrativa, além de proceder à regularização. Além disso, o MPT pode ajuizar contra a empresa infratora uma Ação Civil Pública pretendendo judicialmente o cumprimento da obrigação (que, neste caso, seria contratar PCD de acordo com a cota imposta legalmente) e, ainda, o pagamento de indenização por danos morais coletivos.”

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