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LC 208 traz avanços, mas pode gerar corrida à Justiça, dizem tributaristas

Nova regra para direitos creditórios pode dar “poderes ilimitados” à administração pública

8 de julho de 2024

contabilidade, imposto de renda, cálculo

O governo sancionou esta semana a Lei Complementar nº 208, sobre cessão de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, incluindo os inscritos em dívida ativa (de forma onerosa), a entes privados — que passarão a ser os titulares desses recebimentos. A nova lei também estabelece o protesto extrajudicial como causa de interrupção da prescrição, além de autorizar a administração tributária a requisitar informações sobre contribuintes de entes privados, além das instituições financeiras (art. 197). 

O advogado Richard Edward Dotoli, especialista em Direito Tributário e sócio do Costa Tavares Paes Advogados, comemora a inovação da nova Lei, que prevê antecipação de recebíveis de créditos tributários, especialmente aqueles que foram objeto de parcelamento, mas aponta algumas dúvidas. “O principal ponto de atenção está relacionado à desvinculação de receitas da União (DRU), que retém 20% de todos os recebimentos. Estariam esses créditos também submetidos a esse regime? A regulamentação tratará desse assunto?”, indaga.

Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, não tem dúvida de que as novas regras, apresentadas originalmente pelo senador José Serra no Projeto de Lei Complementar 459/17, são um grande avanço para a administração pública, que poderá gerar receitas adicionais “em tempos de busca do equilíbrio fiscal ainda pautado no incremento da linha das receitas”. Ela acrescenta que a Fazenda anda, há décadas, às voltas com um grande contingente de débitos em cobrança judicial e dificuldades para converter em receitas concretas os inúmeros mecanismos conferidos pela legislação aos entes públicos, como penhora on-line, indisponibilidade de bens, protesto extrajudicial.

“Agora, o cenário poderá se alterar drasticamente, pois passou a ser admitida a securitização da dívida ativa da União, Estados, DF e municípios, o que permite que esses direitos creditórios sejam cedidos ao setor privado. Essa operação de securitização será definitiva e possuirá a natureza de venda de patrimônio público, não sendo uma mera operação de crédito”, afirma Maria Andréia, apostando que o poder público concederá um deságio capaz de tornar interessante a aquisição dos créditos pelo setor privado e tornando as operações mais atrativas: “Até mesmo porque haverá a cessão de pacotes de créditos que poderão conter tanto créditos de maior risco, quanto de menor risco, num equilíbrio que realmente poderá interessar ao setor privado e tornar a securitização uma operação vantajosa, apesar do risco de crédito que nela está embutido”.

Fernanda Martins, advogada tributarista do Dalla Pria Advogados, também vê com bons olhos a nova regra: “Espera-se que o número de execuções fiscais ajuizadas diminua, já que foi salvaguardado o direito fazendário de ação, ao mesmo tempo em que é possibilitado ao contribuinte a resolução da questão de forma mais célere, menos custosa e sem a constrição de seu patrimônio”, acredita a advogada.

O tributarista Douglas Guilherme Filho, coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados, lembra que os processos de execução são os que mais abarrotam o Judiciário. “O rito executivo costuma ser tortuoso e muitas vezes se mostra ineficaz na busca da satisfação do crédito tributário. A nova legislação poderá ser uma alternativa para a União obter um resultado mais satisfatório ao permitir que terceiros possam adquirir o crédito, por meio de cessão onerosa, não exigindo que o ente público litigue por anos, para que ao final, não localize sequer um centavo. Além disso, a medida é mais uma inovação no campo do direito público, ao permitir que a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios possam dispor de um direito indisponível (tributos)”, avalia.

Risco de abuso de poder

Mas, sobre o ponto da fiscalização, no novo texto, há o temor de que a nova regra dê poderes ilimitados à administração pública, que passa a poder requerer de qualquer ente privado ou pessoa informações acerca de transações e contribuintes. “A fiscalização, agora, praticamente, não possui limites, e o risco é a usurpação desse poder ilimitado de investigação como instrumento de coação ou constrangimento para a exigência tributos”, afirma Richard Dotoli, dando como exemplo a extensão da investigação tributária para familiares ou terceiros não envolvidos no fato econômico que deu ensejo à tributação. “Nessas hipóteses seria necessária a intervenção do Poder Judiciário para coibir eventuais abusos”, defende.

Já para a advogada tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET) e sócia do Queiroz Advogados Associados, o novo texto deve facilitar e acelerar a cobrança de dívidas tributárias e não tributárias dos Fiscos federal, estaduais e municipais. Mas pode também provocar questionamentos na Justiça, caso as cobranças utilizem métodos não previstos na Lei de Execuções Fiscais. 

“A cessão de créditos permite que os entes públicos obtenham receitas imediatas, melhorando o fluxo de caixa e possibilitando a realização de investimentos ou o pagamento de despesas urgentes, reduzindo ainda os custos e esforços administrativos relacionados à cobrança de dívidas. Além disso, o risco de inadimplência é transferido para o cessionário. Mas a implementação dessa medida deve ser cuidadosamente planejada e regulamentada para maximizar os benefícios e minimizar os riscos”, alerta.

Mary Elbe reconhece que a nova lei reforça o caixa do Tesouro, mas, ao transferir os riscos de calote aos cessionários, pode gerar disputas. Segundo ela, o uso de ferramentas como inscrição em cadastros de proteção ao crédito ou a constrição de bens de devedores são ferramentas comuns nas cobranças privadas, mas enfrentam resistência quando se trata de créditos públicos. “Há leis próprias para a execução fiscal, que elencam deveres e direitos da Fazenda nas exações. Misturar os procedimentos pode desembocar na Justiça”, diz.

Ela alerta para possíveis questionamentos sobre a governança nesses processos e clama por regulamentações claras e transparentes para alcançar os objetivos desejados. Os entes públicos devem fazer, na sua visão, avaliações detalhadas dos créditos a serem cedidos, definir critérios claros para a escolha dos cessionários e estabelecer mecanismos de controle e supervisão para garantir a transparência e a eficácia do processo. “A realização de leilões pode ser um método transparente e competitivo para assegurar que o ente público obtenha a melhor oferta possível. Outras formas de venda podem incluir negociações diretas ou processos de seleção baseados em critérios específicos”, sugere Mary Elbe.

O mesmo entendimento tem Gustavo Lanna, sócio e head da área tributária do GVM Advogados e professor da pós-graduação da PUC-MG. “Haverá necessidade de transparência na cessão de créditos para se evitar uma mercantilização lucrativa e abusiva desse tipo de operação”, diz.

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