A Justiça voltou a relativizar a exigência de certidões negativas de débitos para a aprovação de recuperações judiciais, mesmo com a reintrodução do requisito pela Lei 14.112, sancionada em dezembro. Uma decisão de Santa Catarina resgatou a jurisprudência já consolidada em relação ao tema para ignorar débitos tributários e deferir o pedido. Como o argumento é o mesmo de antes da nova lei, há chances de o comportamento ser replicado por todo o país, reproduzindo o cenário anterior, com menor poder dos Fiscos.
A juíza Clarice Ana Lanzarini, da Vara Comercial da Comarca de Brusque (SC), foi a autora da decisão. Ela dispensou a apresentação de CNDs e concedeu recuperação judicial à empresa Vínculo Basic. Para ela, a apresentação das certidões não é requisito obrigatório para a concessão da recuperação judicial, já que a exigência é incompatível com a relevância da função social da empresa e o princípio que objetiva sua preservação.
À ConJur, advogados especializados na área analisaram o entendimento.
José Roberto Cortez, especialista em Direito Empresarial e sócio fundador do Cortez Advogados, considerou acertada a decisão. De acordo com ele, a juíza “em vez de se prender à letra fria do artigo 68 da Lei de Falências, levou em conta os impactos sociais e preferiu, com base na jurisprudência, deferir o benefício da recuperação judicial”.
Ele lembra que o insolvente, de modo geral, possui não só dívidas trabalhistas, quirografárias e bancárias, mas também tributárias. “E mais: para aderir aos parcelamentos judiciais ou administrativos em qualquer das três esferas da Fazenda (federal, estadual ou municipal), é preciso oferecer garantias e fazer pagamentos iniciais, inviabilizando a adesão aos parcelamentos e a obtenção da certidão que a lei exige. Ou seja, o Legislativo federal falhou ao manter, na recente reforma da Lei de Falências, a exigência de tais certidões da empresa que pretende pedir recuperação judicial na tentativa de permanecer no mercado, oferecendo postos de trabalho e contribuindo para manter a roda da economia girando”, avalia.
Luiz Antonio Varela Donelli, do Donelli e Abreu Sodré Advogados – DSA, ressalta que “o essencial é existir uma posição única do Judiciário para viabilizar a elaboração do plano de recuperação judicial, com clareza em relação as obrigações futuras e pagamentos a serem realizados”. Segundo ele, “o endividamento fiscal está muito relacionado com a dificuldade de obtenção de crédito, que obriga as empresas em crise a se financiarem nos tributos”.
O advogado Igor Almeida, especialista em recuperação de crédito e associado do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados, entende que a decisão, apesar de contrária à legislação, está “em consonância com o entendimento jurisprudencial e foi proferida em estrita observância dos princípios que regem o procedimento do soerguimento empresarial”.
Para Almeida, é necessário, sim, relativizar a exigência da CND em casos do tipo. Ele também concorda que o Legislativo poderia ter mitigado essa exigência, mas “manteve-se inerte ao tema, demonstrando, dessa forma, o descompasso do legislador com a realidade brasileira”.
Embora o conteúdo da decisão não seja uma novidade, Cristiano Cardoso Dias, sócio da área de contencioso do Costa Tavares Paes Advogados, chama atenção ao fato de que o entendimento jurisprudencial pela dispensa da CND parece firme mesmo após a alteração na legislação.
“A decisão da magistrada é perfeitamente justificável e segue a jurisprudência pacificada pelo STJ, acatando a dispensa de CND, pois, caso contrário, iria de encontro aos princípios expressos na Lei 11.101/2005, ou seja, a salvaguarda da empresa em razão da sua função social, permitindo que possa subsistir à crise e permanecer em atividade”, completa.