Por Guilherme Saraiva Grava*
Artigo publicado originalmente no LexLatin
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 598.677/RS, em 29 de março de 2021, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser inconstitucional a cobrança do ICMS, de forma antecipada, no momento da entrada de mercadorias que provêm de outro Estado da Federação, quando tal exigência não decorre de previsão em lei específica, mas de decreto estadual.
Para a Corte, a mudança no momento em que se recolhe o ICMS, neste caso, não se trata de uma simples antecipação do pagamento do tributo – questão que, de acordo com a jurisprudência do próprio Tribunal, não se sujeita à reserva de lei (princípio da legalidade).
Na realidade, o que ocorre no caso do ICMS-Antecipação é, pelo entendimento vencedor do precedente, alteração da própria regra-matriz de incidência do tributo, que passa a ser considerado devido na entrada da mercadoria e não na sua saída.
Por se tratar de alteração desta natureza, não bastaria a previsão em norma regulamentar, como um decreto, sendo necessária a edição de lei em sentido estrito. A questão que permanece, porém, é a seguinte: para satisfazer tal exigência é suficiente que exista previsão em lei genérica?
Em Estados como Rio Grande do Sul e São Paulo é justamente isso o que ocorre: embora inexista previsão específica em lei disciplinando o recolhimento do ICMS próprio de forma antecipada, há lei autorizadora que, de forma ampla, confere poderes aos seus regulamentos para que tratem do assunto.
Essa foi justamente a hipótese rechaçada pelo STF ao julgar o RE n. 598.677/RS. No entendimento da Corte, a lei gaúcha, neste caso, promoveu uma “autorização em branco”, conferindo poderes demasiado amplos e genéricos ao decreto de forma não permitida pela Constituição.
Eis, então, a tese definida no julgado: “A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal.”.
Por um lado, sabe-se que é próprio dos regulamentos a definição de normas de caráter técnico em complemento às disposições legais tendo em vista a incompatibilidade do processo legislativo tradicional – mais lento e burocrático – com as necessidades cada vez mais dinâmicas e especializadas do ambiente social e econômico em que vivemos.
Por outro, o que se observa no caso presente é que o elemento regulado (a incidência antecipada do ICMS na entrada de mercadoria proveniente de outro Estado) não é medida cuja aplicação dependa de norma regulamentar – ao contrário, trata-se de comando que cria uma nova obrigação ao contribuinte que não guarda paralelo com o que se esperaria na incidência regular do tributo (isto é, na saída da mercadoria).
Embora ainda seja cedo para que se possa medir com segurança os impactos desta decisão no entendimento de outras Cortes e Tribunais por todo o País, é importante considerar que ao menos em dois julgados – o REsp 1.130.023/RS e o REsp 1.209.272/RS – o STJ já aplicou o entendimento, citando expressamente os argumentos definidos pelo STF.
Sendo este o caso, pode-se dizer que as decisões de ambos os Tribunais caminham em um sentido positivo e favorável ao contribuinte, corrigindo, de forma acertada, distorções consolidadas ao longo dos anos. Espera-se que seja também esta a postura de outras Cortes ao tratar desta matéria no futuro.
*Guilherme Saraiva Grava, advogado no escritório Diamantino Advogados Associados