O governo federal deixou de gastar R$ 80,7 bilhões do orçamento destinado a conter os efeitos da pandemia em 2020, apesar da gravidade da crise sanitária e social instalada no país desde a chegada do novo coronavírus. Isso equivale a 13% do total dos recursos destinados para a área. E, para efeitos de comparação, daria para financiar dois programas Bolsa Família por um ano. O levantamento feito pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) faz parte do estudo “Um país sufocado – Balanço do Orçamento Geral da União 2020”.
Lançado nesta quarta-feira (7), o documento analisa os gastos federais de 2020, tanto com despesas extraordinárias para enfrentar as consequências da pandemia da Covid-19 quanto com políticas públicas das áreas de Saúde, Educação, Meio Ambiente e Direito à Cidade. O estudo também analisa a gestão dos recursos destinados a políticas que atendem grupos intensamente afetados pela crise, como mulheres, indígenas, quilombolas, crianças e adolescentes.
O Instituto conclui que a não execução da totalidade dos R$ 604,7 bilhões destinados a combater a pandemia contribuiu para que o país fechasse o ano com 200 mil mortos pelo vírus e com taxa de desemprego recorde, atingindo 13,4 milhões de pessoas. “Na situação de emergência e calamidade que o Brasil se encontrava em 2020, o governo tinha a obrigação de gastar o máximo de recursos disponíveis para proteger a população. Mas o que vimos foi sabotagem, ineficiência e morosidade no financiamento de políticas públicas essenciais para sobreviver à crise”, constatou Livi Gerbase, assessora política do Inesc.
Auxílio emergencial
Mais da metade do orçamento exclusivo para o enfrentamento à pandemia (53,2%) foi destinado ao auxílio emergencial em 2020, programa que forneceu cinco parcelas de R$ 600 a 66,2 milhões de brasileiros. A despeito do agravamento da crise, o benefício foi cortado pela metade e, posteriormente, suspenso – deixando um saldo R$ 28,9 bilhões nos cofres públicos. Apenas neste mês, o programa foi retomado com valores entre R$ 150 e R$ 375.
Estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que desde a suspensão do benefício, em agosto de 2020, até janeiro de 2021, 18 milhões de pessoas passaram a viver em situação de extrema pobreza. “A suspensão do programa é injustificável diante do tamanho da crise que se abateu sobre o Brasil em 2020. O valor que sobrou poderia ter mantido praticamente todos os 66 milhões de beneficiários iniciais, evitando o expressivo aumento da fome e das desigualdades sociais”, estimou Gerbase.
Gastos com saúde
Após quatro meses da declaração de emergência nacional por parte do governo, o Inesc apontou que apenas 40,1% do valor planejado no orçamento do governo federal para combater a pandemia da Covid-19 tinham sido executados. Na avaliação do Instituo, a pressão da sociedade fez com que a execução aumentasse no final do ano, mas não foi suficiente para evitar o colapso na saúde. “A deliberada ineficiência ministerial associada à total ausência de coordenação do SUS por parte do nível central resultaram no aprofundamento da crise sanitária e no expressivo aumento de número de mortes”, concluiu a especialista em orçamento público do Inesc.
Os gastos com saúde totalizaram R$ 42,7 bilhões, além dos R$ 10 bilhões distribuídos no âmbito do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus. O atraso na liberação de recursos foi notado em julho de 2020 por relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou que o Ministério da Saúde havia gasto apenas 29% da verba prevista para combater o novo coronavírus desde março.
A lentidão na compra de vacinas contra o vírus Sars-CoV-2 também foi flagrante em 2020. Apenas em dezembro, pressionado pela população, o governo emitiu medida provisória reservando R$ 20 bilhões para aquisição dos imunizantes em 2021.
Por trás da Covid-19
Enquanto as atenções estavam voltadas para os créditos extraordinários destinados ao combate à Covid-19, o estudo do Inesc mostrou que o orçamento de políticas públicas essenciais seguiu a tendência de corte dos últimos anos, acurralado pelas regras fiscais vigentes, sobretudo, a de Teto de Gastos.
Os gastos com a função Saúde, por exemplo, caíram 6% em 2020, em comparação com 2019, se forem retirados os recursos extras destinados ao enfrentamento da Covid-19. Foram R$ 7 bilhões a menos para um setor que sofre uma histórica insuficiência de recursos. Outro exemplo foi a área de Educação que, além de não ter recebido nenhum recurso adicional em decorrência da pandemia, também teve R$ 7 bilhões a menos de execução financeira do que em 2019 – mesmo diante de um cenário que exigia medidas efetivas e inovadoras para garantir condições de ensino em meio à pandemia.
Entre as medidas propostas pelo Inesc diante da recessão que promete se agravar em 2021, estão:
- Decretar o Estado de Calamidade Pública e voltar a implementar um Orçamento de Guerra para facilitar e agilizar os gastos para o enfrentamento da pandemia.
- Retomar o Auxílio Emergencial de R$ 600 até o fim da pandemia.
- Estabelecer, para 2021, um piso emergencial para a saúde de R$ 168,7 bilhões.
- Revogar a Emenda Constitucional 95 de 2016 (Teto de Gastos)
Sobre o Inesc
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, sem fins lucrativos e apartidária. Nos últimos 41 anos, o Inesc tem utilizado a análise dos orçamentos públicos como ferramenta estratégica para influenciar as políticas públicas, com a missão final de aprofundar a democracia, o fortalecimento da cidadania e realização dos direitos humanos no Brasil. O Inesc foi uma das cinco organizações da sociedade civil que lançou a campanha A Renda Básica que Queremos, iniciativa que pressionou pela aprovação do Auxílio Emergencial durante a pandemia.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil