O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) deu início ao julgamento que acusa o Google de abusar de sua posição dominante nos serviços de busca pela internet. Segundo a investigação, a empresa teria utilizado acordos de distribuição anticompetitivos e excludentes para manter essa supremacia.
Além disso, de acordo com o procurador do DOJ, Kenneth Dintzer, para alcançar “essa posição privilegiada”, a empresa pagaria mais de US$ 10 bilhões por ano a fabricantes de smartphones (como a Apple), de navegadores (como a Mozilla) e a empresas de telecomunicações (como a AT&T).
O resultado é bastante aguardado, já que poderá provocar impactos em toda internet, inclusive, claro, no Brasil.
“Considerando que o resultado da ação pode levar à tomada de medidas estruturais necessárias para coibir suposto abuso de posição dominante, o caso pode ter repercussão mundial e afetar toda a cadeia de valor do Google/Alphabet. Implicaria em uma diluição de poder. Sites podem ser desmembrados, contratos desfeitos e arranjos societários voltados à cisão de empresas para a quebra de monopólio podem ser sugeridos pelo juiz”, analisa Gustavo Artese, advogado especialista em regulação digital e tecnologia e fundador do escritório Artese Advogados.
Artese recorda dois casos marcantes na história do Judiciário americano, relacionados à tecnologia. “A quebra do monopólio da AT&T na década de 80 e ação contra a Microsoft na batalha dos navegadores da década de 90. Nos dois casos, novos entrantes se aproveitaram das brechas de mercado criadas. Esse é o propósito do Sherman Act (Lei de Antitruste Americana)”, explica.
O advogado acredita que no Brasil, prosperando a ação, “as implicações serão mais de ordem prática e de mercado do que jurídica”. “Para o mundo, será um movimento sísmico na forma como serviços de tecnologia, mídia e marketing são distribuídos”.
Sem opção de escolha
Micaela Ribeiro, advogada da área de Direito Digital e Proteção de Dados do Medina Guimarães Advogados, questiona a defesa da big tech, que argumenta que as pessoas têm a opção de escolher ou não usar o Google como mecanismo de busca padrão. “Mas essa não é bem a realidade. Quando se adquire um celular com Android, por exemplo, os apps do Google já estão instalados”, diz.
Sobre a questão do monopólio das buscas, Micaela afirma que basta pesquisar o próprio nome no Google todos os dias. “Sempre aparecerão as mesmas páginas no topo, isso não significa que aquele site é o mais visitado, mas que comprou aquele lugar e, na maioria das vezes, são sites do próprio Google”, comenta.
Micaela entende que não é ilícito que o setor seja dominado pelo mérito dos produtos e serviços, “desde que não sejam praticadas condutas desleais como o pagamento para outras empresas para que tenha exclusividade”. “O conflito foi semelhante na União Europeia e em breve chegará ao Brasil, uma vez que, nos limites da legislação brasileira, o abuso da posição dominante se enquadra nas hipóteses previstas nos incisos do artigo 36, § 3.º da Lei n. 12.529/2011, que trata sobre a defesa da concorrência”.
Marco sobre o tema
Raphael Cittadino, sócio da Cittadino, Campos e Antonioli Advogados Associados, considera o julgamento um marco. “É o momento em que a Justiça americana coloca à prova todos os questionamentos sobre o monopólio contemporâneo da internet. O que a Justiça decidirá, e nesse sentido a lei americana se assemelha a brasileira, é se o Google avançou no mercado de forma legal respeitando os concorrentes ou se o monopólio da empresa foi construído de modo artificial, com o uso de práticas abusivas que impediram que concorrentes ganhassem mercado”, avalia.
Cittadino entende que o julgamento trará consequências para todo o mundo, “já que os Estados Unidos são o maior mercado do Google e ainda a maior potência econômica do globo.” “Em circunstâncias como essa, a jurisprudência forjada nos EUA influencia o sistema antitruste do mundo todo, inclusive o Cade brasileiro”.