Importantes conquistas no combate à violência contra a mulher foram alcançadas com a Lei 14.188/2021, publicada nesta quinta-feira (29/7), no Diário Oficial da União, avaliam especialistas. Questiona-se apenas se a criminalização de novas condutas é o melhor caminho para atingir essa finalidade.
A lei inseriu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher; aumentou a pena do crime de lesão corporal praticado por conta do gênero, instituindo pena de reclusão; e estabeleceu, oficialmente, o Programa Sinal Vermelho contra a violência doméstica.
Ouvidos pela ConJur, advogadas e advogados especialistas no assunto explicaram as principais mudanças criadas pela nova lei e disseram que ela configura mais um passo na lenta alteração da cultura machista e patriarcal.
O crime de violência psicológica
A advogada Clarissa De Faro Teixeira Höfling, sócia-fundadora do escritório especializado em Direito Penal, Höfling Sociedade de Advogados, destacou que a nova lei traz um significativo avanço no combate à violência contra a mulher. Na prática, a aprovação desse projeto de lei passa a criminalizar o que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) já previa como um dos tipos de violência, intensificando o combate a todo tipo de violência doméstica contra a mulher.
“Quando uma mulher era vítima de violência psicológica, tentava-se enquadrar a questão nos tipos penais de injúria e difamação. No entanto, por possuírem requisitos específicos, muitas vezes não se enquadravam à situação vivida pela mulher, desencadeando na impunidade do seu autor”, ressaltou.
Höfling explicou que a violência psicológica é praticada na forma de comentários e críticas que degradam a autoestima da mulher; assim, com o tempo, ela passa a duvidar de si mesma. “Essa manipulação faz com que a mulher se afaste de amigos e familiares, e que se sinta cada vez mais vulnerável e dependente do companheiro, acreditando que somente ele sabe como ela deve se portar, como reagir ou com quem interagir”, diz.
Na opinião da especialista, a criação do crime de violência psicológica é importante não só para a segurança da própria vítima, por ser um meio de afastá-la do agressor e puni-lo de suas condutas, mas também funciona para dar mais amplitude ao assunto.
“Todas as mulheres precisam conhecer os tipos de violência que eventualmente podem vir a enfrentar. É importante que o assunto esteja em alta e que informações sejam compartilhadas, para que a vítima tome conhecimento do que acontece com ela e para que possa ser ajudada. É importante que ela conheça o ciclo da violência e que saiba reconhecer que não existe somente a violência física, mas também outras como a psicológica, sexual, patrimonial e moral e que estas podem ser denunciadas”, pontuou.
O advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e sócio de Bialski Advogados, disse que a violência psicológica podia ser punida, até então, pelo tipo penal genérico, mas que muitas vezes não era alvo de acusação formal pela ausência de respeito ao princípio da taxatividade.
“Essa complementação evitará a omissão normativa sirva de gatilho para impunidade, pois haverá literalidade da lei para contemplar tais condutas”, avaliou
Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, mestre em Direito Constitucional pelo IDP e sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados Associados, explicou que o novo crime criado não trata de condutas restritas ao ambiente familiar e que vão muito além, alcançando relações de trabalho e ambientes profissionais. “É um novo crime — portanto, relevante — pois pode alcançar o assédio moral, já conhecido da Justiça do Trabalho.”
Destacou que é um tipo de crime de ação pública incondicionada, de modo que não é necessária a representação da vítima para instauração da ação penal.
Mônica Sapucaia Machado, advogada, especialista em direito das mulheres e professora do IDP, diz acreditar que colocar a violência psicológica como crime de ameaça foi um erro, porque a ameaça necessita de representação e é considerada um crime de menor potencial ofensivo. Já a violência psicológica não é ameaça, mas a violência em si, tão grave quanto a física.
Para o juiz e professor Alexandre Morais da Rosa, a nova lei não resolve todas as dificuldades na persecução dos atos atentatórios à saúde mental da mulher. A violência psicológica terá que ser confrontada com o tipo penal de lesão corporal, já existente no ordenamento.
Outro ponto levantado pelo magistrado é que o novo crime foi inserido no Capítulo VI do CP, dos crimes contra a liberdade individual, quando na realidade, o bem jurídico que se busca proteger na incriminação da conduta de causar “dano emocional à mulher” não se restringe à liberdade, mas à integridade mental da mulher como um todo.
Ele entende que a violência psicológica se encaixa como crime de dano. “Por isso, consuma-se apenas com a efetiva lesão do bem jurídico. Consuma-se apenas com o efetivo dano emocional — ou psíquico — à mulher. Por deixar vestígios, o crime de violência psicológica reclama, à comprovação de sua materialidade, isto é, de sua existência, a promoção de exame de corpo de delito”, conclui o professor.
Felipe Maranhão, criminalista e sócio do Bidino & Tórtima Advogados, disse que “é absolutamente necessário que o Estado Brasileiro siga adotando medidas para reverter o histórico quadro social de opressão às mulheres”. “Questiona-se, no entanto , se a criminalização de novas condutas é o melhor caminho para atingir essa finalidade. Além disso, nesse caso específico, por exemplo, o legislador foi pouco preciso na redação do tipo penal do artigo 147-B, que acabou por ser excessivamente aberta e de duvidosa constitucionalidade, diante de possível violação ao princípio da legalidade.”
Aumento da pena da lesão corporal praticada contra a mulher
Clarissa Höfling também tratou da importância do aumento de pena específico criado para o caso da lesão praticada contra a mulher. Nesse caso, se a lesão for praticada por razões de condição de sexo feminino, a pena será de um a quatro anos de reclusão, com o aumento de 1/3 da pena caso a lesão seja grave, gravíssima ou resulte em morte. Antes da agravante, a pena era de detenção de um a três anos.
Programa Sinal Vermelho
O Programa Sinal Vermelho é outra conquista da nova lei, dizem especialistas. Trata-se de uma campanha iniciada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com a lei, a mulher vítima de violência pode procurar uma farmácia cadastrada e mostrar ao atendente um “X” escrito em vermelho na palma da mão, como forma de denunciar a violência. Nesse caso, o atendente deverá entrar em contato com a polícia para que seja prestada a ajuda.
“Outras entidades e empresas também podem atuar – por exemplo, o Banco do Brasil já aderiu à campanha. A ideia é que a iniciativa se expanda e se torne uma forma rápida e discreta para que a mulher denuncie o agressor de forma segura”, disse Höfling.