Por maioria de votos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) cassou a liminar que impedia uma instituição bancária de utilizar prova digital de geolocalização para comprovar a jornada de trabalho de um bancário. O banco afirmava que o empregado não fazia as horas extras alegadas, por não se encontrar na agência nos horários apontados pelo bancário. Em sua decisão, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do TST concluiu que a prova “é adequada, necessária e proporcional” e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal.
Na avaliação de Daniela de Fátima Misiti Nishimoto, sócia da área trabalhista do Marzagão e Balaró Advogados, a confiabilidade da geolocalização é frágil. “A geolocalização, além de esbarrar no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal e na Lei de Proteção de Dados (nº 13.709/2018)”, que garantem a inviolabilidade da intimidade e dos dados pessoais, “é muito frágil por trazer insegurança quanto à sua finalidade”, afirma.
Segundo ela, um empregado que sai para o intervalo intrajornada e esquece o celular no trabalho, não necessariamente está trabalhando. “Só porque a operadora informou que no horário que seria do intervalo o celular estava no endereço do trabalho, quer dizer que o empregado estava trabalhando?”, pondera Daniela Nishimoto.
O mesmo acontece com o trabalhador que usufrui de seu intervalo dentro das dependências da empresa em local apropriado para descanso.
“E no caso do empregado que, após sua jornada contratual, vai embora, mas esquece o celular no local de trabalho, quer dizer que ele ficou trabalhando após o expediente?”, indaga.
Também deve-se levar em conta que este tipo de prova pode ser “criado” pelo empregado, segundo a especialista.
“Vale ainda destacar que a geolocalização como meio de prova pode ser eliminada por outras provas como, por exemplo, a testemunhal. Assim, conclui-se que nem sempre os recursos tecnológicos mais modernos são capazes de provar a realidade,” finaliza Daniela Nishimoto.
Segundo o advogado Ronan Leal Caldeira, head trabalhista no GVM Advogados, o uso da prova digital de geolocalização por vezes apresenta pouca utilidade. “Além disso, pode configurar violação à intimidade e privacidade na forma dos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal, quando realizada sem a concordância das partes”, explica.
Filtro pode evitar violação à intimidade
Porém, o advogado admite que a geolocalização pode ser usada e benéfica para todas as partes: “Com ela o empregado pode demonstrar que se encontrava no local de trabalho no horário alegado – e o empregador pode provar o contrário. Uma forma de não violar o direito à intimidade e à privacidade seria o uso de filtro de pesquisa para apresentar apenas os horários e dias em que a pessoa se encontrava no local de trabalho”, afirma o especialista.
Para ele, a geolocalização não deve ser usada como única medida de averiguação de jornada, mas como acessória, a ser verificada em conjunto com outras provas, “porque além de não demonstrar se a pessoa que se encontra em determinado lugar e horário está de fato trabalhando, também pode ser burlada por outros meios digitais como, por exemplo, pela utilização de aplicativos sobrepostos, com utilização de VPN. Assim, referido procedimento deve ser usado com cautela”.
Por fim, Rafael Felisbino, advogado da área trabalhista do Peixoto & Cury Advogados, destaca que o processo do trabalho, assim como o processo penal, tem como princípio a busca da verdade real. “E nada mais real e atual do que a utilização das ferramentas digitais para alcançar esse fim. Qualquer pessoa, hoje, possui um celular ligado 24h por dia. E nada mais fidedigno e preciso que se utilizar da geolocalização, para fins processuais, com o objetivo de se revelar a verdade e, assim, se alcançar a solução mais justa e equânime para a lide”.