Pessoas diagnosticadas com o coronavírus que não respeitarem a quarentena ou as normas determinadas pelas autoridades podem, em último caso, incorrer no crime de Perigo de Contágio de Moléstia Grave – capitulado pelo artigo 131 do Código Penal, que prevê uma pena de um a quatro anos de reclusão, e multa. Essa é a avaliação de advogados consultados pelo Estadão.
“Para a configuração desse crime há a necessidade de consciência do agente que está contaminado de moléstia grave contagiosa. Deve também ter a consciência das ações que pretende praticar e das consequências desta e dos meios que pretende utilizar. Caso o agente contaminado não tenha o dolo direto de praticar atos capazes que possam produzir o contágio não haverá a ocorrência do crime de Perigo de Contágio de Moléstia Grave”, esclarece Armando Mesquita Neto, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.
Jorge Nemr, também sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, explica ainda que há a possibilidade de dolo eventual, quando o agente, mesmo sem querer efetivamente o resultado, assume o risco de transmitir a doença. Neste caso, poderia ocorrer uma tentativa de Lesão Corporal (artigo 129 do CP), ou Crime consumado de perigo para a vida ou a saúde de outrem, tipificado pelo artigo 132 do Código Penal.
“Em uma breve análise é correto afirmar que a legislação penal tem em seu arcabouço a tipificação de crimes para proteger a sociedade, caso pacientes contaminadas pelo Covid-19 não cumpram as determinações médicas de quarentena e de profilaxia para evitar o contágio de terceiros”, diz Nemr.
Daniel Gerber, mestre em Direito Penal e Processual Penal, diz que os artigos 131 e 132 do Código Penal dizem respeito especificamente a uma “moléstia grave”, que representem perigo e direto e iminente à vida ou a saúde de outrem. Por esse motivo, o advogado defende o bom senso diante da onda de notícias sobre a doença.
“Não se sabe se o coronavírus é efetivamente uma moléstia grave ou se essa gravidade decorre, exclusivamente, das notícias que as redes sociais e que a imprensa insistem em disseminar, ainda sem base científica”, opina.
“O que nós estamos enfrentando hoje é o risco de criminalizarmos, usando o Código Penal, para reprimirmos a liberdade de ir e vir de uma pessoa que está simplesmente gripada. Por isso, é preciso ter cuidado e ponderar esta avaliação”, conclui Gerber.
Isabela Villava Serapicus, sócia do Bernardes Jr. Advogados, também cita o artigo 131 do Código Penal como possível crime cometido por alguém contaminado. Isso, desde que tenha a intenção deliberada de transmitir o vírus. “Ou seja, o sujeito precisa saber estar contaminado e querer transmitir, não importando se atingirá ou não o seu objetivo. Exemplo: o diagnosticado espirrar diretamente no rosto de alguém”, afirma.
Mesma opinião tem Everton Moreira Seguro, do Peixoto & Cury Advogados. “Fica enquadrado neste artigo o simples fato de o cidadão tossir no rosto da pessoa saudável, sabendo que é portador do vírus, para que haja sua propagação proposital. Vale ressaltar que se a vítima sofrer de fato com a contaminação decorrente da transmissão e causar lesões corporais, o acusado responderá pelo crime específico de acordo com o grau da lesão sofrida. Se a vítima morrer, responderá o acusado pela lesão corporal seguida de morte. Se for provado que a intenção do cidadão sempre foi atingir a vítima específica, almejando a sua morte, poderá responder até por homicídio consumado ou tentado”.
Daniel Bialski, criminalista, também menciona os artigos 131 e 132 do Código Penal ao apontar os possíveis delitos praticados. “Alguém que saiba que está contaminado não pode alegar desconhecimento. O mero risco de passar a terceiro ou expor perigo à vida de outros, já poderia configurar crime”, avalia.