É possível flexibilizar, excepcionalmente, a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor. Isso desde que preservado o valor para assegurar a subsistência digna para o devedor e sua família. O entendimento recente é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. O relator do caso foi o ministro João Otávio de Noronha.
De acordo com a advogada Luciana Pinto de Azevedo, especialista em Direito Processual Civil, do Antonio de Pádua Soubhie Nogueira, a impenhorabilidade, como prevista no art. 833 do CPC, não só com relação a salários, mas também outros bens, no dia a dia, torna o processo executivo pouco efetivo. Para ela, esse fato que esbarra até na própria função do Judiciário e “acaba por proteger o devedor” que, muitas vezes, se vê desobrigado em adimplir com as suas obrigações com respaldo na lei, mesmo tendo ativos ou patrimônio.
“A decisão do STJ, ao flexibilizar a rígida e longa lista de impenhorabilidade imposta pelo legislador e possibilitar a penhora de salários dentro da razoabilidade e respeitados os princípios da dignidade da pessoa humana tem, na verdade, como principal norte, trazer mais eficácia aos processos executivos e a entrega da prestação jurisdicional plena. Além disso, visa atingir aqueles devedores de má-fé que se escondem atrás de brechas como essa para evitar o pagamento de suas dívidas”, avalia.
Segundo a advogada, a dificuldade, no entanto, está em definir como será provado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado. “Essa prova se será com base no seu custo de vida mensal? Qual o custo permitido que poderá ensejar essa penhora a constituição de novas dívidas? Por exemplo, o pagamento de plano de saúde privado para um devedor com problemas de saúde deve ser considerado para esse fim? Todos esses aspectos, acredito, devem ser analisados quando se impõe a penhora sobre o salário”, analisa.
Afastamento da impenhorabilidade de salários
O recurso – embargos de divergência – foi interposto por um credor contra acórdão da Quarta Turma do STJ. A Turma indeferiu o pedido de penhora de 30% do salário do executado – em torno de R$ 8.500. A dívida tem origem em cheques de aproximadamente R$ 110 mil.
A Quarta Turma seguiu a jurisprudência do STJ, que foi firmada no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial tem exceção nas seguintes hipóteses: para o pagamento de prestação alimentícia de qualquer origem, independentemente do valor da remuneração recebida; e para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto. Em ambas as situações, deve ser preservado percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família.
O credor apontou precedentes da Corte Especial e da Terceira Turma, que já condicionaram o afastamento do caráter absoluto da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial apenas ao fato de a medida constritiva não comprometer a subsistência digna do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado.
Para o relator do caso, ministro João Otávio de Noronha é possível a relativização do parágrafo 2º, do artigo 833 do CPC, para autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto