Passados seis dias desde a tempestade de sexta-feira (11) em São Paulo, milhares de imóveis permanecem sem energia elétrica em São Paulo.
As críticas à Enel, distribuidora responsável pelo fornecimento de energia para 24 municípios da região metropolitana do estado, são várias. Na segunda-feira (14), a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) divulgou uma nota informando que faz uma investigação “rigorosa” sobre o caso e que pode cancelar o contrato, caso sejam constatadas “falhas ou negligência”.
Advogados entendem que é possível punições à empresa, mas que a intervenção não é um processo simples.
Segundo Carlos Eduardo Braga, advogado e consultor no Costa Tavares Paes Advogados, a intervenção é um ato unilateral do governo federal, do Ministério das Minas e Energia. “Por meio de um decreto, é estabelecido um interventor e um prazo de duração dessa intervenção, assim como os objetivos e os limites da medida. Depois de declarada a intervenção, num prazo de 30 dias, o poder concedente vai instaurar um processo administrativo para comprovar as causas, apurar as responsabilidades, sempre assegurando a ampla defesa e o devido processo legal e, obviamente, num caso como esse, com todas as questões técnicas e laudos técnicos financeiros. Esse prazo desse processo administrativo é de 180 dias. Não se encerrando em 180, a intervenção é considerada inválida”, explica.
Se, nesse prazo, ficar constatada a irregularidade, o contrato pode ser declarado extinto pela sua caducidade, conforme previsto nos artigos 32 e 34 da Lei das Concessões.
“O contrato de concessão é feito com a União Federal, que é o poder concedente. A agência reguladora é um órgão vinculado ao Ministério das Minas e Energia, mas detém uma certa autonomia, principalmente técnica. Ou seja, o poder concedente tem o dever de fiscalizar, e o órgão do poder Executivo criado para essa finalidade é a agência reguladora. Pelo decreto federal, nomeia-se um interventor, que pode ser qualquer pessoa do ministério ou quem o governo federal quiser. Mas o processo de apuração tem o seu trâmite dentro da Aneel. E, ao final desse processo, a agência vai recomendar, por exemplo, cancelar a intervenção e seguir com o contrato, mas sugerir sanções e multas em função de irregularidades ou recomendar a extinção do contrato porque a situação seria irreversível”, complementa Braga.
Intervenção tardia
Gustavo Justino de Oliveira, especialista em Direito Público e integrante do Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução de Conflitos do CNJ, entende que a “reincidência e contumácia da Enel, no (des)caso com os apagões na cidade de São Paulo, nos últimos 2 anos, já deveria ter originado intervenção administrativa, seguida de processo administrativo destinado a desencadear eventual caducidade da concessão de energia elétrica”.
“Infelizmente, a Aneel pouco ou nada fez nos primeiros episódios de má prestação de serviços por parte da concessionária. Omissão regulatória que agora dificulta a adoção imediata e cautelar de medidas mais enérgicas, que inclusive melhor protegeriam os interesses dos usuários dos serviços que sofreram danos. Por isso, cabem ações de indenização a serem propostas contra Enel, Aneel e União Federal, além de ser possível ainda avaliar responsabilidade do Estado de SP e da prefeitura da cidade”, afirma Justino.
Valdir Moysés Simão, advogado, ex-ministro da CGU e do Planejamento, Orçamento e Gestão, e sócio do Warde Advogados, afirma que o processo de caducidade é demorado, “sem possibilidade de estimar prazos, considerando a importância de se garantir ampla defesa ao concessionário”.
“Mas o governo pode, em situações graves, intervir na concessão, com a nomeação, por decreto, de um interventor, com prazos, objetivos e limites da medida. Declarada a intervenção, o poder concedente tem 30 dias para instaurar processo administrativo para apurar as causas e responsabilidades que deram origem à intervenção. O processo deve ser concluído em até 180 dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção. Ao final do processo de intervenção a concessão pode ser extinta ou devolvida ao concessionário”, diz Simão.
Já Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, destaca que, a princípio, a eventual penalização da empresa concessionária de energia elétrica fica adstrita à sua responsabilização no âmbito administrativo e cível, “pela reiteração de sua incapacidade de saneamento da interrupção do fornecimento de energia elétrica, à míngua do asseguramento da qualidade do serviço de natureza pública prestado ao consumidor”.
“De toda sorte, ainda que, neste momento, não se se reconheça lesão a direitos dos consumidores qualificada como conduta criminosa na seara consumerista, a empresa e seus diretores não estão imunes à investigação acerca do possível cometimento de delitos contra a relação de consumo nos termos da Lei n° 8.137/1990 (Define os Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo), assim como da porventura existência de infrações penais nos contornos da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)”, comenta Adib.