O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal de Justiça (STF), ministro Luís Roberto Barroso, destacou os dilemas enfrentados pela magistratura brasileira ao julgar litígios de saúde. “Administrar judicialmente a saúde é fazer ponderações entre interesses que disputam aqueles recursos escassos. Normalmente, considera-se que a ponderação em matéria de saúde é entre o direito à vida e à saúde de quem esteja postulando, e do outro lado os limites orçamentários”, disse o ministro durante o III Congresso Nacional do Fonajus, na quinta-feira (21).
Dados de painéis estatísticos do CNJ, apresentados por Barroso, apontam que, até setembro, 800 mil processos relacionados à saúde estavam pendentes de julgamento no Brasil. Apenas neste ano, foram ajuizadas 483 mil novas ações. O cenário preocupante revela tendência de crescimento da judicialização em matéria de saúde no país.
“Temos hoje, no Brasil, 83 milhões de ações diversas em curso. Esse recorde também se reflete na área da saúde. Em 2020, eram ajuizadas em média 21 mil processos. Em 2024, esse número subiu para mais de 61 mil ações por mês, Além de impedir o atendimento a tempo e a hora, não há estrutura que dê conta desse aumento crescente”, alertou.
Levantamento do CNJ aponta que, embora haja aumento da litigiosidade da saúde de forma geral, as ações contra operadoras de planos de saúde são mais frequentes que os processos movidos contra o sistema público. O ministro fez um convite aos participantes do Fonajus para haja um esforço coletivo de se pensar em soluções para a diminuição dessa litigiosidade.
De acordo com Barroso, o Conselho, de forma administrativa, e o STF, jurisdicionalmente, têm contribuído para que se estabeleça nova dinâmica nas ações de saúde. Uma das decisões do Supremo se refere ao julgamento do mérito do Recurso Extraordinário (RE) 566471, com repercussão geral (Tema 6), que definiu os parâmetros a serem observados para a concessão judicial de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), independente do custo.
No entendimento do STF, se o medicamento registrado na Anvisa não constar das listas do SUS (Rename, Resme e Remune), independentemente do custo, o juiz só pode determinar seu fornecimento excepcionalmente. Como exemplo, o ministro citou a fosfoetanolamina sintética, substância utilizada no combate ao câncer.
Barroso convocou os juízes que atuam na área da saúde a utilizarem o sistema do e-Natjus, desenvolvido pelo CNJ, que representa um apoio técnico, por meio de parceria com o Ministério da Saúde e do Hospital Einstein, responsável pelas notas técnicas sobre as demandas de medicamentos e terapias. “Evidentemente, o juiz tem a sua liberdade de convicção, mas a informação técnica é muito importante”, destacou.
Plataforma
A criação de uma plataforma nacional com os fluxos de cumprimento das decisões judiciais na área da saúde deve contribuir para a desjudicialização desse tipo de processo. A nova ferramenta foi destacada pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, ao proferir a palestra magna do evento.
Ele foi o relator do Tema 1234 no Supremo. No julgamento, ficou decidido o fornecimento de medicamentos não incorporados no sistema público, mas com registro na Anvisa, entre outras orientações aos magistrados. O ministro aproveitou para contextualizar a plateia fazendo uma retrospectiva sobre as discussões da judicialização da saúde. Gilmar Mendes ressaltou que um dos problemas identificados sobre a atuação do Poder Judiciário era ser transformado em “fomentador da desconstrução de políticas públicas do SUS”.
Com todo o tipo de demanda, de fraldas a internações em outros estados, cirurgias e solicitação de medicamentos que não constam no rol do SUS, houve crescimento significativo nos custos a partir das decisões judiciais, disse o ministro. Ele exemplificou informando que, de 2008 a 2017, os gastos saltaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão.
Para analisar essa situação, a comissão especial que tratou do Tema 1234 trabalhou de setembro de 2023 a maio de 2024 em um dos processos estruturantes, que o ministro considerou como “um dos mais complexos analisados pelo STF”. Entre os resultados apresentados foi identificada a necessidade de, antes da judicialização, se buscar subsídios para soluções administrativas. Nesse sentido, foi elaborada a proposta de criação da plataforma nacional.
Ele destacou que agora, com a nova ferramenta e o julgamento no Supremo, o Judiciário tem parâmetros para decidir sobre o fornecimento de medicamentos. “Conclamo os juízes a acessarem a lista do Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), que será atualizada constantemente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), facilitando também a consulta do cidadão”,
O ministro aproveitou para destacar a necessidade da atuação do CNJ e do Fonajus durante o período de construção e adaptação da plataforma, com a elaboração de cartilhas com o passo a passo dos novos fluxos e a divulgação dos materiais nas escolas de magistratura. “A plataforma será importante para garantir a eficiência e a transparência na gestão das demandas por medicamentos”, assegurou.
Ainda no período da manhã, foram apresentados dois painéis: Evidências na Incorporação de Novas Tecnologias em Saúde e Financiamento da Assistência à Saúde no Brasil. O evento prossegue no período da tarde com nove painéis temáticos.
Fonajus
O III Congresso do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde (Fonajus) reuniu operadores do sistema de justiça de todo o país em São Paulo para debater os principais temas que impactam as decisões judiciais referentes aos processos de saúde.
Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ
As informações são da Agência CNJ de Notícias