A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo validou um plano de recuperação judicial mesmo com o voto contrário de um credor. O Tribunal entendeu que o voto pode ser desconsiderado quando este for o único integrante de uma das classes de créditos do processo.
De acordo com a Lei de Falências (11.101/05), um processo de recuperação pode ter até quatro classes: I – trabalhistas, II – credores que têm crédito com garantia, III – titulares de créditos quirografários e IV – pequenas e microempresas. A aprovação do plano depende, nas classes I e IV, da maioria absoluta dos votos de credores presentes na assembleia-geral. Já nas classes II e III conta o número de credores e o valor total de créditos – tem de haver maioria em ambos.
Para advogados, a decisão é correta e encontra amparo na legislação, mas não vale para todos os casos.
“É preciso compreender que a Lei 11.101/05 possui como viés condutor a preservação do agente econômico. Nos últimos anos, deve-se reconhecer que o Poder Judiciário vem interpretando e aplicando a Lei de Recuperação Judicial e Falência com virtuosidade e sensibilidade aos casos concretos, de modo a salvar a empresa, manter os empregos e garantir créditos (interesse dos credores). No caso em tela não foi diferente, ao aprovar o plano de recuperação judicial em contexto de cram down, os julgadores trouxeram ao contexto fático o objetivo primordial que move a LFRE (Lei de Falências e Recuperação de Empresas), qual seja o da preservação da empresa”, afirma Felipe Pacheco Borges, sócio institucional responsável pelas áreas de Contencioso Estratégico e Recuperação Judicial e Falências do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados.
“Cram down” é um termo importado do Direito americano. Significa que, mesmo com a discordância da assembleia-geral de credores, o plano poderá ser aprovado. De acordo com Borges, é preciso analisar a situação de forma macro.
“Embora o caso em análise não tenha preenchido, em sua integralidade, os requisitos legais para o cram down, uma vez que o único credor de uma das classes rejeitou o plano, restou necessária uma análise macro da situação. Isto porque, de fato, não é viável que o interesse de um único credor se sobreponha aos interesses da maioria dos demais credores (veja que nas demais classes a empresa obteve a aprovação com 100% dos votos). Ademais, oportuno ainda mencionar que a devedora buscou, de maneira incessante, a negociação do pagamento, o que foi recusado pelo credor, vez que desejava o pagamento à vista. Estes dois fatos foram preponderantes para evitar o abuso da minoria sobre o interesse da sociedade na superação do regime de crise empresarial. Acertada decisão”, analisa.
Domingos Fernando Refinetti, sócio na área de Recuperação Judicial do WZ Advogados, faz uma observação no tocante à decisão. “A regra da Lei de Falências e Recuperação Judicial efetivamente não admite, na sua estrita redação, a aprovação de um plano por cram down na falta do requisito de que pelo menos um terço dos credores da classe que desaprovou o plano deve votar pela aprovação desse mesmo plano: nessa classe, portanto, para a ocorrência do cram-down, dois terços dos credores desaprovam o plano e um terço aprova o plano. No caso concreto, essa classe tinha apenas um credor, que votou contra o plano (três terços contra, portanto). De outro lado, pelo que se lê do acórdão, houve aprovação unânime nas outras classes e, ademais, o plano dava a essa classe que o desaprovou – e, portanto, a esse único credor -condições mais favoráveis do que aquelas atribuídas aos demais credores (deixemos os credores trabalhistas de lado, porque têm tratamento diferenciado pela própria letra da lei). Entretanto, nessas hipóteses – que são bastante específicas e devem ser analisadas caso a caso – uma das considerações que cabe fazer é a respeito das razões que teriam levado o credor – único na sua classe – a votar contra o plano”, diz o advogado.
Ainda segundo Refinetti, “mesmo admitindo-se que credores votam de acordo com a sua própria conveniência, perscruta-se se teria havido, por exemplo, uma ponderação econômica”.
“Irá o credor, único na sua classe, que votou contra a aprovação do plano e acarretou, por conseguinte, a falência do devedor, receber, na falência (que é a consequência de seu voto), mais – e em melhores condições – do que aquilo que o plano estava a lhe oferecer? Se a conclusão for contrária – ou seja, não há, no caso concreto, razoabilidade econômica no voto – ainda que o credor seja soberano no seu voto, pode ser aplicado, a depender das especificidades do caso concreto, critério que leva em consideração a razoabilidade do voto proferido e as suas consequências (falência do devedor, impondo condição mais detrimentos para aquele credor do que lhe acometeria com a aprovação do plano, por exemplo) versus a manutenção da atividade produtiva do devedor em benefício de toda a coletividade (e, em última instância, daquele credor, que receberá, pelo plano, mais do que receberia na falência a que seu voto teria dado causa). De toda a forma, é importante ressaltar que qualquer tipo de decisão judicial num tema como esse – manutenção do voto ou sua desconsideração – só pode ser avaliada à luz do caso concreto e não pode ser tomada como uma revogação pura e simples, da letra da lei, sob pena de criarmos uma insegurança jurídica que o tema não comporta”, conclui.