As mortes por falta de oxigênio de pacientes com Covid-19 em hospitais de Manaus causaram enorme comoção no país. Mas a possível responsabilização de autoridades pela crise na saúde não deve ser simples.
Ouvidos pelo Estadão, advogados criminalistas e constitucionalistas afirmaram que as investigações precisam demonstrar que os envolvidos sabiam do risco de esvaziamento dos estoques de oxigênio e não agiram para evitar ou minimizar as mortes.
Para o advogado criminalista e doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), Conrado Gontijo, “em tese, é possível que advenha responsabilização criminal pelas mortes”. “Se os administradores do hospital ou agentes públicos sabiam que o oxigênio não era suficiente e, podendo agir para evitar a tragédia verificada, não o fizeram, poderão responder pela prática do crime de homicídio por omissão. Contudo, para que isso ocorra, as investigações precisarão demonstrar que eles sabiam do risco, tinham condições concretas de evitar a falta dos equipamentos, e, mesmo assim, deixaram de agir, omitindo-se ilegalmente”, diz.
Claudio Bidino, mestre em Criminologia e Justiça Criminal pela Universidade de Oxford, também explica que a responsabilização na esfera penal, por omissão, não é simples. “É preciso que se comprove desde logo que algum responsável por zelar pela saúde da população previu ou deveria ter previsto a situação de calamidade que acabou por se instalar naquele estado. Além disso, é necessário que se demonstre que esse mesmo alguém tinha condições de agir para evitar ou minimizar essas mortes decorrentes da falta de oxigênio e, ainda assim, por dolo ou culpa, nada fez para isso”, afirma.
Já na avaliação do advogado criminalista Daniel Bialski, que é mestre em Processo Penal pela PUC-SP, neste primeiro momento é preciso abrir um inquérito para apurar e individualizar a conduta de políticos e funcionários públicos no caso.
Em uma análise preliminar, a criminalista Bruna Luppi Moraes vê indícios do delito de ‘homicídio por omissão imprópria’. “A omissão é penalmente relevante quando o agente tinha o dever de agir (e poderia fazê-lo para evitar o resultado) por imposição legal, por ter assumido a responsabilidade de impedir o evento danoso e, também, por ter criado o risco da ocorrência do resultado com seu comportamento anterior. Isso, claro, sem prejuízo de apuração, também, de eventual crime de responsabilidade”, afirma.