Por Rafael Ariza
Artigo publicado originalmente no Estadão
A sociedade moderna está diante de uma grave e triste realidade. Lamentavelmente, mais uma vez é preciso enfrentar o tema da divulgação de notícias falsas, o que demanda efetiva atenção, pois, em um cenário que são imprescindíveis orientações eficazes, decorrentes das políticas públicas destinadas a retardar e reduzir o contágio com o novo coronavírus, fake news podem esvaziar medidas e potencializar danos.
E como impedir a disseminação de falsas notícias? Já no ano de 2018, em pesquisa realizada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ficou demonstrado que fake news se propagam com maior velocidade e atingem maior número de pessoas que as notícias verdadeiras, o que decorre da própria natureza humana.
No atual cenário, as notícias são negativas, retratam a evolução da pandemia e projetam colapso no sistema de saúde (naqueles países em que isso ainda não é uma realidade, como é o caso do Brasil) com prováveis consequências desastrosas. Desta forma, mostram-se mais atraentes, para o senso comum, aquelas notícias – ainda que falsas – que minimizam a situação, distorcem os números ou prometem soluções, na prática, inatingíveis, indicando caminhar em sentido absolutamente oposto àquele que deveríamos.
No que se refere aos episódios relacionados à covid-19, as falsas notícias expressam o que, no íntimo, todos gostaríamos que fosse a exata expressão da realidade. Desejamos que a pandemia fosse algo menor do anunciado; que não tivessem morrido tantas pessoas, e que não fossem necessários todos os cuidados e restrições impostas. As falsas notícias, nestes tempos difíceis, falam o que gostaríamos de ouvir e ler, e por isso, embora despidas de cientificidade, a propagação se mostra tão interessante para não dizer necessária.
Aquele que encontra ou recebe a notícia, inobstante não verifique a veracidade das informações, tampouco a fonte que sustenta aquela informação, acredita no dever de reproduzir aos seus contatos sociais como medida de utilidade pública.
Assim, focar o debate na criminalização da disseminação de notícias falsas seria não pensar na solução do problema, ignorando o próprio objetivo da contenção destes conteúdos, dando mera e inócua resposta legal estatal. E explica-se. Tão rápida quanto o alastramento do coronavírus é a disseminação de notícias falsas nas inúmeras redes sociais (e aqui se incluem os grupos nos aplicativos de mensagens instantâneas). O objetivo é frear a disseminação das notícias falsas ou punir, com a velocidade dos procedimentos investigatórios e processos judiciais àqueles que as disseminam?
No Estado Democrático de Direito, a aplicação de sanção criminal somente se dá em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado, que para existir requer o devido processamento, o que não pode ser visto como um problema, um entrave, mas como uma conquista social. Imperioso assegurar o devido processo legal e a ampla defesa.
Ainda, se está falando de situações cuja prova – se a conduta fosse considerada crime – é de difícil ou impossível obtenção, principalmente aquela inerente ao dolo de propagar notícia que sabe ser falsa. Definitivamente a criminalização não garantirá solução ao problema, mas tão somente refletirá em punição (se ocorrer) em outro momento futuro.
É necessária uma postura cultural proativa em substituição à expectativa de mágica solução estatal. Igualmente, não se pode esperar que seja a questão solucionada a partir de decisões judiciais, porquanto incomparáveis o tempo da resposta judicial, e o tempo da propagação das informações. Fake news são resultado da democratização da informação, impulsionada pelas redes sociais. Qualquer um, conectado à rede mundial de computadores, poderá atingir número incomensurável de pessoas com suas publicações, da mesma forma que as mídias tradicionais. Grandes e pequenos, responsáveis e irresponsáveis, estão em igualdade na capacidade de se comunicar.
Por isso, é preciso racionalizar e, por mais atraente que possa parecer o conteúdo, diante da mais mínima dúvida de sua correção é evidentemente necessário quebrar a cadeia de propagação. Talvez essa postura cautelosa não atingiria ou determinaria a interrupção da criação de falsas notícias, porém, reduziria substancialmente sua disseminação.
Quanto aos robôs que replicam automaticamente notícias e mensagens, o fazem igualmente para news e fake news, cabendo aos diversos mecanismos tecnológicos identificar o que não decorre da intervenção humana, barrando igualmente sua disseminação.
Não podemos esperar que a criminalização, especialmente em tempos de crise, seja a solução, tampouco que as decisões judiciais distingam o falso do real. Devemos ser responsáveis não apenas pelo que criamos, mas, também, por tudo o que encaminhamos. A redução da disseminação de fake news decorrerá, notoriamente, da própria evolução intelectual.
Rafael Ariza é advogado especializado em Fake News, Crimes Digitais e na Internet do escritório Daniel Gerber Advocacia Penal