Opinião

Quem paga os prejuízos do comércio?

Para advogada, decretos não são claros sobre continuidade do trabalho

30 de março de 2020

Por Paula Corina Santone

Artigo publicado originalmente no Estadão

Nos últimos dias, muito se tem discutido acerca da responsabilidade pelo pagamento da indenização e verbas rescisórias devidas para empregados impedidos de trabalhar ou até dispensados em razão da paralisação de atividades consideradas não essenciais. Esse impedimento ocorreu por determinação de governos estaduais e municipais, que restringiram o funcionamento do comércio, bares e restaurantes, por exemplo.

Na sexta-feira (27/3), aliás, o presidente da República, ao deixar o Palácio da Alvorada, declarou que os prefeitos e governadores que decretaram o fechamento do comércio por conta da pandemia decorrente do coronavírus terão que arcar com a indenização devida aos trabalhadores pela paralisação. Ele fez referência ao dispositivo legal da CLT que prevê o fato do príncipe.

O artigo 486, da Consolidação das Leis do Trabalho, determina que, no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Contudo, é extremamente controverso e de difícil aplicação o artigo 486 da CLT para responsabilizar governos estaduais e prefeituras pelos prejuízos causados aos empresários em relação aos seus empregados por conta dos decretos de quarentena e fechamento de serviços que não são essenciais.

De fato, estamos diante de um cenário mundial de calamidade púbica. Nesse sentido, parece não ser possível considerar que o fechamento temporário de estabelecimentos e de alguns setores da economia representa um ato discricionário da administração pública.

Ademais, os decretos não proíbem ou impedem de forma absoluta a continuidade do trabalho, uma vez que o comércio, por exemplo, não pode manter as portas abertas ao público, mas pode realizar suas vendas pela internet. Da mesma forma, os restaurantes e bares têm garantido o serviço de entrega conhecido como delivery.

Ou seja, a continuidade do trabalho e dos serviços se torna mais difícil e talvez até mais onerosa. Mas os decretos não determinam necessariamente uma paralisação absoluta das atividades e, nesse sentido, não haveria que se falar em fato do príncipe.

Não se pode esquecer também que o próprio governo publicou a Medida Provisória 927/2020 que contempla uma série de ações de natureza trabalhista e mecanismos alternativos de flexibilização temporária da legislação para que os empresários possam dar continuidade às suas atividades e propiciar a preservação dos empregos. Entre os mecanismos estão: antecipação de férias individuais, mediante diferimento do pagamento do terço constitucional, aproveitamento e antecipação de feriados, suspensão de exigências administrativas em matéria relativa à segurança e saúde no trabalho e diferimento do recolhimento do FGTS.

Outras provavelmente serão objeto de nova medida provisória como, por exemplo, suspensão de contrato de trabalho com aproveitamento de seguro desemprego, redução de salários e jornadas de trabalho.

Nesse contexto, será extremamente difícil e controversa a aplicação do artigo 486 da CLT à atual situação decorrente das medidas adotadas por governadores e prefeitos em relação a serviços não essenciais e suas repercussões nas relações de trabalho.

Paula Corina Santone, sócia da área trabalhista do Rayes & Fagundes Advogados Associados

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