Por Caroline Lopes Placca*
Artigo publicado originalmente no Jota
A realidade econômica das mulheres brasileiras é muito diversa, mas sabe-se que elas têm ocupado mais espaços de trabalho produtivo e se preocupado com sua independência financeira. Tais mudanças nos levam a pensar sobre questões mais profundas, como as violências que as afetam nesse contexto. Assim, cabe refletir sobre como recai a proteção jurídica sobre a vida financeira dessas mulheres e quais mecanismos existem para lidar com a violência patrimonial sofrida por elas, em especial, no cerne da Lei Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) é o mais importante instrumento normativo brasileiro de defesa dos direitos das mulheres. Conforme dispõe o Art. 1º da Lei, ela tem como objetivo criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, além de estabelecer medidas de assistência e de proteção para mulheres em situação de violência.
Quando se fala em violência, importante ressaltar que não se trata apenas de agressão física. As violências sofridas pelas mulheres são constantes e variadas. A Lei considera como violência doméstica e familiar (i) qualquer ação ou omissão baseada no gênero (ii) que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, (iii) que ocorra no âmbito da unidade doméstica, da família ou de qualquer relação íntima de afeto. Verifica-se, então, que a Lei delimita o espaço de perpetração da violência e expressamente define a violência patrimonial como uma das cinco formas de violência — além da física, sexual, psicológica e moral.
Quanto à violência patrimonial, constata-se que, apesar de ser muito comum, é pouco denunciada pelas vítimas (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, 2015). A Lei, em seu inciso IV, artigo 7º, considera como violência patrimonial toda conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Tal conceito é transversal e intersecciona assuntos como mulheres, dinheiro e violência, de forma que merece atenção.
Sobre a temática, a Forbes divulgou em 2021 uma reportagem na qual lista 10 verdades sobre mulheres e dinheiro, destacando que dinheiro é uma grande fonte de stress e angústia para as mulheres. Muitas delas vivem em situação de dependência e de vulnerabilidade, o que culmina em deixar suas vidas financeiras aos cuidados do marido ou do pai. A mesma publicação destacou que, não raramente, as mulheres se deparam com surpresas negativas, como dívidas em seus nomes, investimentos malfeitos, patrimônios menores do que o efetivamente acumulado. Nem sempre as vítimas percebem, mas esses casos são clássicos exemplos de violência patrimonial.
Elas estão acostumadas, em virtude de uma série de padrões e de costumes perpetuados ao longo do tempo, a acreditarem que os homens entendem mais de dinheiro. Inclusive, segundo pesquisa do Banco de investimentos UBS, 93% delas fazem tal afirmação. Em sua maioria, e em decorrência da nossa cultura, mulheres não são tradicionalmente educadas para pensarem no controle de suas finanças, em suas carreiras, patrimônios, investimentos e no dinheiro de forma geral, o que as coloca em posição de maior insegurança sobre essas questões.
Isso não significa que elas não se preocupem com as despesas e as responsabilidades decorrentes dessas relações. Pesquisa realizada pelo SPC Brasil (2016) levantou que, depois da temática saúde, o maior temor das mulheres é de não conseguir pagar suas contas. Interessante verificar que, das nove respostas ofertadas pelas mulheres com relação a seus temores, apenas duas (saúde e morte de parente querido), não tinham relação com temas econômicos. No rol, apareceram fatores como medo de perder o emprego, de não conseguir um emprego, de o Brasil não sair da crise, além do temor de ter que fechar o próprio negócio.
Essa informação só demonstra como a dominação econômica é mecanismo de forte pressão com relação às mulheres. O controle do dinheiro, dos bens, dos documentos de uma mulher, assim como as demais formas de violência, é uma potente forma de exercício de poder. Como dito por Carol Sandler, na Forbes, “quando falamos sobre dinheiro, falamos na realidade sobre liberdade, independência, autonomia, segurança e poder de escolha”.
Vale ressaltar que, de acordo com a professora da Universidade Federal da Paraíba, Dra. Maria de Oliveira Ferreira Filha, entre os grupos mais suscetíveis a essa forma de violência encontram-se as mulheres idosas. Estudos mostram que elas são mais vulneráveis aos abusos econômicos e à violência patrimonial. Relatos expõem familiares que, sem o consentimento das vítimas, apropriam-se de suas rendas, economias, em alguns casos até de suas casas e outros bens.
Não à toa, a Lei Maria da Penha se preocupou com o tema, dispondo medidas para proteção patrimonial dos bens tanto em nome dos cônjuges como com relação aos de propriedade particular da mulher. Dentre as possíveis medidas para tanto, temos as seguintes possibilidades: (i) restituir bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; (ii) proibir temporariamente a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; (iii) suspender as procurações conferidas pela ofendida ao agressor; (iv) prestar caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Essas medidas são extremamente importantes para proteção e reparação das violências sofridas. Entretanto, conforme apresentado, a violência patrimonial tem muitas vertentes, sendo essencial aprofundar discussões que relacionam mulheres e dinheiro para compreendermos melhor as formas de combate. Além da indispensável Lei de proteção às mulheres, é necessário desenvolver políticas de educação financeira, que as auxiliem na busca pela sua autonomia e confiança.
Caroline Lopes Placca é advogada, consultora de relações governamentais do Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário (ITCN), professora da Universidade do Estado do Mato Grosso, doutoranda e mestra em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie