Por Nelson Wilians*
Artigo publicado originalmente na Folha
“Não nego nada, mas duvido de tudo” (Lord Byron). E neste momento, a minha dúvida é se Elon Musk não irá transformar o Twitter em uma sala cheia de espelhos que refletem suas próprias postagens.
E os espelhos, como grifou o poeta Jean Cocteau, “deveriam pensar mais antes de refletir”.
O fato é que, desde o anúncio da aquisição do Twitter pelo bilionário americano, viralizou um grande debate sobre liberdade de expressão.
Pode se tratar apenas de histeria por um homem concentrar tanto poder. No entanto, a aquisição do Twitter não só pode beneficiar alguns de seus outros negócios como pode, sobretudo, possibilitar a Musk uma enorme influência política.
Até aqui ele tem crédito por contribuir mais pelo clima do planeta com seus motores elétricos e à energia solar do que muitos ativistas e governantes.
Ao adquirir o Twitter, ele praticamente se autodenominou o altruísta que irá abrir o código do algoritmo da plataforma, como uma espécie de cruzada, exatamente para proteger a liberdade de expressão.
Disse ele em um comunicado: “A liberdade de expressão é a base de uma democracia em funcionamento, e o Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade”.
Seria esse um “presente de grego”?
Para os críticos de Musk, isso não deixa de ser um mito que ele vem construindo. A especialista em mídia social Jennifer Grygiel, professora da Universidade de Syracuse, analisa assim: “Isso o pinta como uma espécie de líder rebelde que assumirá o controle da praça pública para salvá-la”.
Até agora, as razões para a compra do Twitter são vagas, e ele falou pouco sobre como realmente planeja fazer a plataforma funcionar. Sabe-se, porém, que Musk está decidido a reverter as políticas de moderação do Twitter, que exige que seus usuários cumpram um acordo de termos de serviço que proíbe certos tipos de discurso, além de combater a desinformação.
Ainda assim, a plataforma permite uma ampla gama de abusos. Os próprios tweets de Musk são, muitas vezes, considerados grosseiros e misóginos.
No ano passado, por exemplo, ele foi obrigado a excluir um tweet que, segundo autoridades, ameaçava ilegalmente cortar opções de ações para funcionários da Tesla que se unissem ao sindicato United Auto Workers.
Em 2018, ele chamou o mergulhador britânico Vern Unsworth de “pedoguy”, depois que Unsworth resgatou 12 meninos e seu treinador de futebol de uma caverna tailandesa inundada. O mergulhador havia criticado a proposta de Musk de usar um submarino para resgatar os meninos. Em sua defesa, Musk disse: “Achei óbvio que não quis dizer que ele era pedófilo”.
Quando a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA o acusou de tuitar declarações falsas sobre tornar a Tesla privada, ele disse: “Achei óbvio que não quis dizer isso”.
De usuário para controlador, se tornou ainda mais difícil decodificar o que Musk acha óbvio.
Vale lembrar, contudo, que, mesmo na atual gestão, o impacto do Twitter tem sido bem negativo. Musk acha que as políticas da empresa são muito restritivas e quer evitar a remoção de conteúdo e banimentos de contas. A própria história do Twitter revela que, quanto mais hospitaleiro, mais a base de usuários cresce.
Conservadores e autocratas aplaudiram a chegada dele à plataforma.
O mundo sabe que ele não gastou 44 bilhões de dólares para apenas aperfeiçoar alguns botões de interatividade.
Com habilidade, em tese, ele pode manipular o Twitter para calar a boca de seus inimigos e da imprensa profissional, por exemplo.
Mas vale lembrar que a receita da empresa depende muito da publicidade, e os anunciantes geralmente não gostam de promover suas marcas ao lado de conteúdo provocativo.
Ainda que Musk tenha um fabuloso histórico de gerenciar empresas tecnologicamente sofisticadas e crie produtos inovadores, há um poderoso mundo de oposição ao seu domínio no Twitter. E, como bem assinalou a escritora e estrategista de mídia digital, Elizabeth Spiers, em artigo no “The New York Times”, “tornar o Twitter mais uma fossa não faz sentido para os negócios”.
Porém, quando as pessoas se sentem no direito de prejudicar os outros porque a retórica de ódio é normalizada online, como explica Spiers, “aumenta a facilidade com que as teorias da conspiração se transformam em atos de violência”.
De fato, uma plataforma que adota uma política do “tudo pode”, não cria apenas um ambiente hostil, pode disseminar violência, racismo e desinformação.
Bem menor que o Facebook, o Twitter, com 217 milhões de usuários, molda as narrativas dominantes em setores como política, mídia, finanças e tecnologia, mais do que qualquer outra plataforma.
Nesse momento, o Twitter está no chão. Mas o pássaro tem asas. Para onde irá voar com Musk?
De qualquer forma, com ou sem insônia, sempre nos restará o “botão sair”.
*Nelson Wilians é empreendedor e advogado
Foto: Emerson Lima