Opinião

A Lei do Superendividamento e o mínimo existencial

Enquanto não há uma regulamentação específica, a situação continua a critério dos julgadores

2 de maio de 2022

Por Flávio Christensen Nobre*

As dívidas podem se tornar uma “bola de neve”. Um empréstimo para pagar uma conta já atrasada, o uso do cartão de crédito para tentar acertar dívidas mais antigas e pronto: o consumidor já não consegue mais pagar nada. E quando esse montante devido ultrapassa a remuneração daquele indivíduo, se caracteriza o superendividamento. Com o objetivo de melhorar essa situação e minimizar a inadimplência, foi criada a Lei do Superendividamento, de número 14.181/21. Por mais que ela possa ser benéfica, alguns pontos devem ser analisados.

É fundamental que esse assunto seja colocado em pauta e que uma lei específica para os inadimplentes tenha sido criada. Para se ter uma ideia, somente até o ano passado, 72,5 milhões brasileiros estavam negativados no Serasa.

Muito disso acontece porque as pessoas encontram uma certa facilidade na hora de conseguir obter crédito e, mais do que ajudar, isso atrapalha. Elas acabam consumindo muito mais do que a capacidade de pagamento e gastam de uma maneira desorientada. Isso, claro, também causa um problema para as instituições, que não recebem o pagamento.

Então, a Lei acaba sendo benéfica para os dois lados: para quem, finalmente, conseguirá pagar e para as empresas que receberão o dinheiro. Com a negociação dando certo, o benefício reflete no mercado de um modo geral, até porque os consumidores poderão voltar a gastar quando terminarem de pagar a dívida.

Mas, para que isso funcione, é necessário que todos os pontos da lei sejam muito bem estabelecidos. O primeiro requisito para que possa ser considerado um superendividado é que esteja devendo de boa-fé. Sendo assim, a inadimplência deve ser proveniente de uma renda inferior ao montante acumulado pelas dívidas.

Acontece que, para analisar essa insuficiência de renda, há um quesito denominado “mínimo existencial”. Isso significa que o pagamento das dívidas deve ser feito sem que a pessoa ou a família tenha prejuízo no sustento e no pagamento das contas básicas para a sobrevivência.

Mas, quanto seria o mínimo existencial para cada um? A lei não traz um parâmetro ou um conceito. Embora existam alguns institutos que dão alguma noção sobre o tema, não há nada legalmente estabelecido. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), por exemplo, estipula que o mínimo existencial para uma pessoa que ganha até dois salários mínimos seria de 60% em cima desse valor, enquanto para aqueles que ganham cinco salários seria de 50% e quem ganha acima de dez salários o ideal seria um mínimo existencial de R$ 5.500.

Porém, por mais que existam essas bases, o ideal seria que a lei trouxesse esse conceito já padronizado, para que não ficasse nada tão subjetivo, como acontece agora. Este é um ponto importante que acaba deixando uma lacuna na legislação. Ele se torna fundamental para que, de fato, possa haver um parcelamento sustentável das dívidas. Sem essa determinação em lei, o critério dos julgadores prevalece e cada situação é julgada de uma forma – algo que não é democraticamente aceitável.

Outro ponto é a comprovação de renda do inadimplente. Muitas pessoas que têm renda são trabalhadoras informais. E, então, como seria feito o cálculo para os indivíduos que não possuem formalidade e uma renda fixa, mas tomam valores? Todos esses quesitos precisam estar muito bem formulados para que a lei não tenha brechas e seja realmente eficiente.

É possível afirmar que os serviços essenciais são os principais vilões dos negativados. Isso porque não são raras as situações em que as pessoas deixam de pagar as contas para comprar outros bens de consumo. Por isso, é importante ressaltar a educação financeira, que precisa ser ampla e rígida. Isso torna os consumidores conscientes e responsáveis e os traz para a realidade. O mercado precisa disso para gerar índices que parametrizem as mais diversas áreas da economia.

Como se vê, a Lei do Superendividamente veio em boa hora – mas, ainda precisa de alguns ajustes, para que credores e devedores finalmente se entendam.

*Flávio Christensen Nobre é advogado especialista nas relações de consumo e presidente da Comissão de Direito do Consumidor da 56ª Subseção da OAB/SP.

Notícias Relacionadas

Opinião

‘Malware as a Service’: entenda o que é e proteja-se

Medidas de prevenção ajudam a agir no momento de crise

Opinião

Decreto traz mais segurança jurídica às relações trabalhistas

Há novidades na regulamentação relativa às empresas prestadoras de serviços a terceiros