Por Samantha Mendes Longo
Artigo publicado originalmente no Estadão
Estamos vivendo uma situação nova, aflitiva e que tem assustado a todos. A pandemia da covid-19 ocasionará danos não só à saúde física e mental, mas também à saúde financeira de pessoas físicas e jurídicas.
As relações negociais foram abaladas pelo vírus que chegou ao Brasil há pouco tempo, mas que infelizmente já deixou marcas que serão sentidas por muitos anos, modificando certos hábitos para sempre.
As corretas e necessárias decisões tomadas pelo governo, no sentido de incentivar o confinamento da população, fechando lojas, shopping centers, escolas, universidades, clubes, academias, dentre outros diversos negócios, acarretarão consequências aos mais distintos tipos de negócios jurídicos.
Ninguém duvida que milhares de contratos serão descumpridos. Diversas discussões jurídicas ocorrerão em razão desses inadimplementos. Há caso fortuito ou de força maior a ensejar a revisão de cláusulas contratuais ou até mesmo a extinção de contratos por onerosidade excessiva? Certamente esse tema será enfrentado pelo Poder Judiciário.
Estando, portanto, todos nós cientes de que tal cenário é inevitável, por que não nos anteciparmos ao movimento natural de judicialização desses conflitos, incentivando os contratantes a resolverem seus problemas fora do Poder Judiciário?
Como se sabe, o Conselho Nacional de Justiça, visando garantir segurança jurídica, editou a Resolução n. 313, de 19/3/20, que estabeleceu o regime de plantão extraordinário no âmbito do Poder Judiciário. Foi suspenso o atendimento ao público. Foram suspensos os prazos processuais em todos os Tribunais (exceto STF e Justiça Eleitoral). Além disso, magistrados e serventuários trabalharão remotamente.
O Poder Judiciário, já sobrecarregado de trabalho (lembre-se que há mais de 80 milhões de processos aguardando julgamento), ficará dias, quiçá meses, trabalhando em regime de plantão. Quando as atividades retomarem seu curso normal, além do trabalho acumulado, novas milhares de ações serão ajuizadas para discutir os contratos não cumpridos.
Não é mais inteligente, mais eficaz, mais produtivo, que os contratantes aproveitem desde logo para resolverem, de comum acordo, como lidarão com os contratos e com as relações que permanecerão existindo?
Os métodos adequados de solução de controvérsias podem e devem ganhar espaço neste delicado momento. Incentivar seu amigo, seu cliente ou seu parente a procurar a outra parte e negociar um acordo é medida mais do que salutar. Esperar o conflito crescer e pretender resolvê-lo no Poder Judiciário quando este voltar a funcionar a pleno vapor não faz sentido do ponto de vista social, emocional ou financeiro.
Ninguém melhor do que as partes para saberem o que podem ceder, o que podem suportar e o que podem negociar. Se sozinhas não conseguirem conciliar, existem muitos profissionais experientes em negociações e mediações para ajudar as partes a alcançarem o consenso.
Devemos trabalhar para desafogar o Poder Judiciário, encolhendo a cultura da judicialização dos conflitos. Precisamos fortalecer as pessoas a resolverem suas questões, sem necessariamente ajuizarem uma ação judicial para tanto. A Justiça está sempre de portas abertas, sendo ininterrupta a atividade jurisdicional. Mas para que a prestação dessa atividade seja efetiva é preciso que seu uso seja consciente.
Vamos então aproveitar a quarentena, o home office, o confinamento, para incentivar e ajudar os mais diversos profissionais a conversar, dialogar e tentar encontrar uma solução para os contratos que estão sendo ou serão em breve descumpridos. Conversas, evidentemente, por telefone ou por videoconferência. Afinal, o momento não comporta reuniões presenciais! Vamos aproveitar a tecnologia a favor desses encontros virtuais.
O empenho e o comprometimento coletivo nos ajudarão a sair o mais rápido possível dessa situação inimaginável, com o menor dano possível. Mas enquanto estamos vivendo nesse ritmo menos acelerado, vamos aproveitar para refletir sobre essa importante mudança de comportamento social que só trará benefícios a todos os envolvidos. Negociar, conciliar, mediar e acordar será sempre melhor do que litigar. Diante de nós se apresenta uma ótima chance de dar um salto qualitativo e quantitativo em prol da mediação. Temos que aproveitá-la.
Samantha Mendes Longo é sócia do Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados