Por Savio Nascimento da Silva e Guilherme Saraiva Grava*
Artigo publicado originalmente na ConJur
Embora o assunto seja antigo, permanece em aberto a discussão a respeito dos parâmetros para a aplicação de sanções tributárias, já que estas muitas vezes são fixadas em patamares desproporcionais e que extrapolam até mesmo o valor do tributo devido.
A controvérsia, porém, voltou à pauta do STF em fevereiro de 2022, quando a Corte reconheceu a repercussão geral no RE 1.335.293.
O recurso, indicado como repetitivo, discutirá no mérito o tema 1.195, assim definido: “Possibilidade de fixação de multa tributária punitiva, não qualificada, em montante superior a 100% do tributo devido”.
Como o próprio ministro relator Luiz Fux reconheceu, o embate segue sendo base de infinitos processos contra o Fisco, que insiste em aplicar penalidades elevadíssimas por infrações, ainda que não qualificadas por simulação, fraude ou conluio.
Sendo assim, o retorno do tema à pauta é uma novidade bem-vinda.
O próprio Supremo já decidiu, em diversas outras ocasiões, pelo limite máximo de 100% do valor do tributo como patamar para a multa punitiva.
É possível citar como exemplo a ADI 551/RJ, precedente no qual a Corte constatou que a desproporção entre a penalidade tributária aplicada e a infração cometida equivale a um verdadeiro confisco: “a desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte”.[1].
Já no RE nº 61.160/SP, o Tribunal sustentou que “o Judiciário pode excluir ou graduar a multa imposta pela autoridade administrativa[2]”, reforçando a relação de proporção entre a gravidade do ilícito e a punição eventualmente aplicada, bem como o papel interventor do Judiciário em casos como estes.
Diante desse cenário da jurisprudência do STF, que já é antiga, alguns Estados passaram a incorporar medidas para readequar suas legislações ao entendimento do Supremo a respeito da matéria.
Um bom exemplo disso ocorre no Estado do Pará, em que Lei Estadual nº 8.877/2019 alterou a disposição anterior da Lei Estadual nº 5.530/1989, que previa multa punitiva equivalente a até 210% sobre o valor do tributo devido.
Não é como têm atuado, porém, Estados como, por exemplo, São Paulo, que segue mantendo penalidades elevadas a despeito do que já decidiu o Supremo.
Por um lado, uma provável decisão do STF em favor dos contribuintes pode ser relevante não apenas para promover reajustes no plano legislativo, como o que já ocorreu no Pará, mas também uma reviravolta em relação a processos em curso que não tenham tido seu julgamento definitivo.
Por outro, é necessário manter certo grau de ceticismo, tendo em vista que a despeito das inúmeras decisões do STF no passado, o tema permanece atual e sem um desfecho definitivo.
De todo modo, ressalta-se que o que se espera da Corte não é o esvaziamento da multa tributária como instituto, tendo em vista a sua necessidade e utilidade no enforcement da legislação fiscal.
Porém, certo é que a aplicação dessa multa não pode se manter em desacordo com os princípios tributários previstos na Constituição Federal de 1988, de forma razoável e proporcional, harmonizando a relação entre o Fisco e o contribuinte.
[1] ADI 551, Relator(a): ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, j. em 24/10/2002, DJ 14-02-2003
[2] RE 61160, Relator(a): EVANDRO LINS, Segunda Turma, julgado em 19/03/1968, DJ 03-05-1968 PP-01495 EMENT VOL-00725-02 PP-00559
* Savio Nascimento da Silva é estagiário no escritório Diamantino Advogados Associados.
* Guilherme Saraiva Grava é advogado no escritório Diamantino Advogados Associados.